"Foi único! Adeptos do Benfica e do Sporting unira-se no Jamor contra aqueles que insultaram Mário Wilson de «palhaço». O «Velho Capitão» respondeu no campo, com a educação de que sempre fez alarde.
Está chegando a hora, ai, ai, ai, ai, como dizia a velha marchinha brasileira. Está chegando a hora de mais uma final da Taça de Portugal e, por isso vamos lá relembrar umas histórias a propósito, com o Benfica com pano de fundo, claro está.
Não precisam de me recordar que este ano não há Benfica na final da Taça, isso não é motivo para desprezar as crónicas que aí vêm. A verdade é que se há clube que pode falar de cátedra das finais da Taça de Portugal (Campeonato de Portugal inclusive), esse clube é o Benfica, tamanha a enormidade das suas conquistas, 28 vitórias, 9 finais perdidas, 18 meias-finais perdidas, um exagero se comparado com qualquer um dos seus rivais.
Por isso, aceita-se: o Benfica é o rei das Taças (e Campeonatos) de Portugal. Não há discussão!
E assim sendo, vamos até um dia especial e estranho: dia 7 de Junho de 1980.
No Estádio Nacional apresentaram-se o Benfica e a sua maior vítima em finais de taças: o FC Porto (um destes dias farei aqui a contabilidade de tal abissal diferença).
Dia estranho porque pela primeira e única vez na história do futebol português adeptos de Benfica e Sporting se uniram contra um inimigo comum, aquele que dizia que queria ver Lisboa a arder e atravessava a Ponte D. Luís com uma dose de raiva de fazer inveja à velha Padeira de Aljubarrota.
O calor era terrível. Lembro-me bem. Uma fornalha no Estádio Nacional.
Alberto, o poço-de-força, cedo partiu uma perna num choque com Frasco. Saiu de campo deitado na maca e o ambiente, que já era fervente, entrou em ebulição. Ainda não estavam decorridos 10 minutos.
Dizem as crónicas que estavam 80 mil pessoas nas bancadas. O Jamor aguentava com tanto? Não tenho dúvidas que sim - não havia cadeiras a separar as pessoas, todos se apertavam para dar lugar a mais uns poucos.
Pietra foi enorme! Meu bom e querido amigo Pietra! Poucos como ele sabiam o que era a alma. Ainda o vejo no filme da memória correndo acima e abaixo, tornado o campo pequeno, esse que era um campo grande...
E Bento? O maior adversário de Gomes, marcador de todos os golos. E Humberto? O imperial Humberto Coelho.
Uma taça escondida num saco de plástico
Era um tempo de ódios, esse tempo desta final.
«O treinador do Benfica não passa de um palhaço que já está despedido», atacou José Maria Pedroto, treinador do FC Porto, no seu estilo de espadachim cavalheiresco de pacotilha.
Mário Wilson, o treinador do Benfica, respondeu no campo. Mais uma vez.
É verdade que sairia no final da época para dar o lugar ao húngaro Lajos Baroti, outro cavalheiro, mas de estirpe mais fina. Todavia não saiu sem dar a sua resposta.
Aos 36 minutos, César, César Martins de Oliveiria de nome completo, nascido em São João da Barra no dia 13 de Abril de 1956, recebe a bola à entrada da área e faz o gesto de redopiar e chutar em arco. Remate por alto, sobre Fonseca, golo de bater em todas as redes, manso, clássico, inevitável.
Esbracejam os portistas. Reclamam por tudo e por nada.
Toni e Shéu são donos do meio-campo. Repartem a força e a técnica.
Frasco, Sousa e Romeu são insuficientes para o labor dos encarnados.
Pedroto arrisca a entrada do brasileiro Bife para o acompanhamento de Gomes.
Bife - José Silva de Oliveira, nascido em Vera Cruz, no interior do Estado de São Paulo, morto em Cuibá, em 2007, vitima de uma crise hepática.
De pouco serviu Bife.
Respondeu Mário Wilson com o possante Reinaldo, homem da Guiné.
O jogo divide-se em pequenas batalhas ao comprimento e largura do campo, mas o Benfica leva a melhor em todas.
A vitória será sua: 1-0. Esse golo fantástico de César.
Em redor do estádio drapejam as bandeiras verdes-e-brancas e vermelhas-e-brancas. José Maria Pedroto e o seu aprendiz Pinto da Costa conseguiram o que pretendiam: unir o país contra o FC Porto. A partir de agora serão sempre vítimas. Até quando são algozes.
Iremos esperar vinte e quatro anos para que um processo profundo desmascare tal falácia.
Outro César foi figura. César Correia de Faro, um árbitro medíocre e timorato que permitiu toda a espécie de confrontos.
O FC Porto já havia perdido o campeonato para o Sporting - o célebre tri que deu para vender t-shirts da Tri-naranjus (e ainda se riem de festejos antecipados...), e perdia agora a Taça para o Benfica.
Era preciso trabalhar muito mais nos bastidores.
Também medrosos, sem autoridade, os dirigentes da Federação Portuguesa de Futebol decidem não entregar a Taça de Portugal no final do jogo. Um funcionário de nome Telmo guarda-a num saco de plástico e desaparece em direcção à Praça da Alegria.
A alegria dos benfiquistas não tem taça. Ela virá para às suas mãos uns dias mais tarde, envergonhadamente como é próprio dos cobardes.
Mas tem o seu lugar guardado, ao lado das outras, suas irmãs, polidas à custa do suor dos que a conquistaram."
Afonso de Melo, in O Benfica
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