"A minha relação com o ciclismo tem sido de ódio-amor. Primeiro incompreensão - por que raio correm todos a trabalhar só para um? Lembro-me de pensar, numa Volta à França, ‘quem é que aquele Miguel Indurain pensa que é, que quase não ganha etapas e está sempre em primeiro?’
Depois de perceber que se trata de um desporto coletivo e de tomar conhecimento com a palavra gregário [definição: um ciclista que desempenha um papel de apoio ao líder da equipa, ajudando-o a alcançar seus objetivos] começou a dedicação: um caderninho preto e uma caneta a apontar etapas, resultados, números, e até um mapa da França desenhado à mão; procurar a etapa que passasse mais perto de casa de uma tia. Ver as guerras Armstrong, Ullrich, Pantani. Bem sei, se soubesse o que se sabe hoje... Para universitários, julho é tempo de frequências, mas para mim era também tempo de ligar a tv às 11 da manhã para ver toda uma etapa de montanha com os comentadores do Eurosport. Depois ódio pela traição de Armstrong com o doping, tantas horas torcer por uma história épica de comeback que na verdade estava manchada.
Mais tarde, de férias com bebés, a Volta à França era tempo de lançá-las na sesta ao mesmo tempo que me escapava para ouvir o Marco Chagas na RTP.
Agora faz parte do trabalho - o documentário da Netlfix, como o da F1, dá uma ajuda -, mas não deixou de ser duro ver o João Almeida cair no final de etapa na sexta-feira, pela importância que ganhou no pelotão internacional e sobretudo pelo excelente momento de forma em que chegou à prova. Rebolou pelo chão, perdeu pele, respiração nossa em suspenso, a carregar no F5 nos sites de resultados a ver se chegava.
E por isso mesmo foi ainda mais complicado ver um João tão remendado alinhar à partida de sábado, em que recebeu o prémio de gregário da semana. No discurso muito calmo, apesar da confissão e dores e, pasme-me, de uma costela partida. Aguentou os 171 quilómetros da etapa plana na cauda do pelotão, onde esteve quase sempre acompanhado por um colega da UAE Emirates, incluindo o camisola amarela Tadej Pogacar, que na véspera tinha dedicado a vitória ao seu número 2. Foi tocante."

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