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quarta-feira, 16 de julho de 2025

Carta do SL Benfica


"Ex.mo Senhor
PRESIDENTE DA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL,
REINALDO TEIXEIRA
Rua John Whitehead, n.º 69,4250-540 Porto

C\C: Presidentes dos Clubes das Ligas Profissionais.

Assunto: Futuro para o futebol português e centralização de direitos televisivos

Ex.mo Senhor,
Em março de 2021, foi aprovado em Portugal o modelo de centralização dos direitos televisivos das I e II Ligas de futebol profissional, com entrada em vigor prevista para 2028. Essa decisão foi acompanhada por uma ambição clara e legítima: reforçar a competitividade, garantir a valorização global do futebol português e promover uma maior equidade entre clubes.
Contudo, passados mais de quatro anos, os pressupostos que deveriam fundamentar essa transição permanecem por cumprir. O que vemos, com crescente preocupação, é um insuficiente trabalho estrutural, planeamento rigoroso e visão estratégica, sem os quais a centralização está em sério risco de falhar nos seus objetivos primordiais.
Em face da presente situação, o Sport Lisboa e Benfica vem expor a sua posição:
i) O atual processo de centralização está atrasado, em risco de falhar os objetivos e já desatualizado face ao contexto internacional;
ii) O impacto que o futebol tem como setor estruturante da economia portuguesa exige uma visão estratégica clara e uma gestão responsável;
iii) O Sport Lisboa e Benfica será sempre solidário com a missão coletiva, mas realista relativamente ao seu valor no mercado, e ao potencial do projeto nos atuais moldes;
iv) Defender o futuro do futebol português passa por honrar os pressupostos da centralização, garantindo que não se avança sem uma visão clara e um plano que crie as condições necessárias ao seu sucesso.

Sistematizando cada um dos vetores primaciais para o futuro do futebol português:

I - Atual processo de centralização está atrasado, em risco de falhar os objetivos e já desatualizado face ao contexto internacional
Ainda não existe um plano estratégico, sustentado por dados, que demonstre que a centralização irá gerar mais receitas globais. Foi revelada publicamente uma aspiração de 300 milhões de euros por época, mas esta carece de fundamentação credível à luz da realidade atual do mercado nacional e do próprio mercado internacional.
Desde a definição da diretiva em 2021, ao dia de hoje em 2025:
• Não foram apresentados modelos alternativos nem realizado um processo real de consulta junto dos operadores/plataformas, adeptos e outros atores sobre o tipo de produto futebolístico que se ambiciona;
• A reflexão sobre a evolução dos quadros competitivos continua por se realizar, sendo essencial definir e quantificar o valor dos direitos associados a diferentes opções, tomar decisões e definir um modelo de transição;
• Não houve investimento concertado ou suficiente na modernização da infraestrutura física – p.ex., estádios, acessibilidade, conforto – ou tecnológica – como a melhoria dos sistemas de arbitragem (VAR), cuja automatização continua aquém dos padrões internacionais – ou humana – p.ex., na formação e qualificação dos árbitros e assistentes;
• Não há uma resposta cabal à desconfiança na arbitragem expressa publicamente por vários clubes. Temos assistido à contratação de ex-árbitros para as estruturas dos clubes e organizações de futebol, o que coloca em causa a transparência e isenção esperadas da atuação da arbitragem por influência direta e indireta;
• Falta uma estratégia de internacionalização clara da Liga, com metas de exposição, crescimento de audiência global e parcerias internacionais;
• O mercado de direitos televisivos doméstico permanece excessivamente concentrado, sem concorrência efetiva entre operadores. A atual estrutura levanta dúvidas sobre a capacidade de o modelo gerar propostas verdadeiramente competitivas, e a ausência de ação por parte da Autoridade da Concorrência agravou o problema;
• Alguns clubes de dimensão média não têm recebido propostas do operador atual face à potencial descontinuidade do atual modelo. O término dos atuais contratos de distribuição, num contexto de transição a três anos, reduz o poder negocial de todos os clubes na extensão / renegociação a curto prazo. Isto afeta principalmente os clubes de menor dimensão onde a comercialização dos direitos representa uma componente significativa da receita;
• O combate à pirataria continua ausente, prejudicando o valor do produto e contribuindo para a erosão das receitas legais. Em Portugal, estima-se que 1 em cada 2 pessoas utiliza serviços de acesso ilegal a transmissões de futebol (totalizando 17% da população, segundo a EUIPO, e acima da média europeia de 12%). Estima-se que a pirataria cause um prejuízo de 100 a 200 milhões de euros por ano no universo do futebol;
• Os portugueses continuam a pagar dos valores mais altos da Europa para assistir ao futebol profissional, podendo esse encargo ultrapassar os 500€/ano. O acesso completo aos conteúdos desportivos ultrapassa valores praticados em países com maior poder de compra, penalizando o adepto comum e limitando a expansão do público. É nossa firme convicção que o nível de “pirataria” seria grandemente limitado com ofertas mais inovadoras e competitivas;

É essencial reconhecer um facto inegável: se insistirmos na implementação da centralização, nos termos e prazos atualmente propostos e sem que as reformas estruturais e modernizações necessárias tenham sido concretizadas, será impossível atingir o objetivo dos 300 milhões de euros em receitas anuais. Na realidade atual do mercado audiovisual, é provável que o valor da centralização não atinja sequer os 150-200 milhões de euros, o que representaria uma perdão comprometeria o equilíbrio competitivo, a sustentabilidade financeira e a qualidade global do futebol nacional.

O modelo anterior em que os contratos televisivos eram celebrados para venda em plataformas com crescimento permanente de receitas enfrenta múltiplos desafios. Tem de haver inovação nas formas de comercializar o produto. Alguns exemplos internacionais reforçam esta preocupação e evidenciam que devem ser adotadas alternativas criativas:
• A Ligue 1 de França não conseguiu renovar os seus direitos pelos valores pretendidos (~1000 M€/ano), tendo ficando inclusive ~10% abaixo dos valores do último contrato (660 M€/ano), enfrentando uma queda abrupta nas receitas. Um último contrato que, mesmo apesar da baixa destes valores, foi rescindido pelo operador, insatisfeito com as metas de subscrição alcançadas. A Ligue 1 irá lançar o seu próprio canal para a próxima época no sentido de monetizar os direitos e ultrapassar a atual situação de incerteza financeira para a liga e para os clubes;
• A Eredivisie (Países Baixos) fechou um novo ciclo de contratos por 150 M€/ano, valores significativamente abaixo das ambições e do potencial inicialmente demonstrado;
• A perspetiva de acordo entre a Apple e a FIFA para um tradicional modelo de transmissão do Mundial de Clubes falhou. Em resposta, a FIFA procurou um caminho alternativo, tendo fechado um contrato de valores mais baixos com a DAZN para transmitir globalmente e gratuitamente os 63 jogos do primeiro Mundial de Clubes, o que nos remete para a necessidade imperiosa de encontrar modelos alternativos em face da tendência mundial do mercado.

II - O setor do futebol requer visão e responsabilidade
É preciso recordar que o futebol é um dos poucos setores em que Portugal se posiciona entre os melhores da Europa e que projeta Portugal no mundo. Assim, o futebol não é apenas um fenómeno desportivo, é um setor económico estruturante para Portugal, com impacto direto e indireto em múltiplas dimensões: fiscal, laboral, turística, mediática e cultural:
• O futebol gerou, em 2023–24, um volume de negócios superior a 1 073 milhões de euros1, com uma contribuição direta para o PIB de 0,25% a 0,29% (entre 660 e 670 milhões de euros por época);
• O futebol contribui, em impostos pagos ao Estado, com 268 milhões de euros em 2023–241, um crescimento de 18% face ao ano anterior;
• O futebol responde por cerca de 4 400 empregos diretos1, para além de milhares de postos indiretos em áreas como media, eventos, turismo, segurança, comércio e tecnologia;
• O futebol português é um dos maiores exportadores de talento da Europa, tendo atingido em 2021–22 mais de 500 milhões de euros em transferências líquidas, o que o torna num contribuinte líquido positivo para a balança externa portuguesa;
• O futebol português é responsável por mais de 90% da audiência televisiva regular de conteúdos desportivos, alavancando o setor audiovisual, as telecomunicações e a publicidade;
• O futebol é o principal fator de identidade desportiva nacional e o desporto mais praticado e assistido em Portugal;
• O futebol serve de plataforma de mobilização social, inclusão, integração e elevação de autoestima comunitária, especialmente nas regiões com clubes históricos e com impacto local relevante.
• O ecletismo dos maiores emblemas garante o financiamento de dezenas de outras modalidades olímpicas e amadoras, que sem a retaguarda do futebol não teriam qualquer sustentabilidade;
• A presença regular de clubes portugueses nas fases finais da UEFA Champions League, Europa League e Conference League garante visibilidade internacional a Portugal, contribuindo para o soft power nacional;
• O futebol é um dos principais canais de promoção da marca “Portugal” no exterior – tanto através dos clubes como dos jogadores internacionais, treinadores e gestores de topo formados no país.
1 Fonte: EY, Anuário da Liga Portugal – 8.ª Edição – Época 2023-24

Em suma, o futebol deve ser reconhecido como um dos setores estratégicos da economia portuguesa. Essa relevância exige:
• Políticas públicas adequadas;
• Regime fiscal ajustado à sua função económica e social;
• Planeamento de longo prazo com estabilidade e visão estratégica.
Ignorar esta realidade é desperdiçar um ativo nacional de enorme valor económico e simbólico. Este ativo está em risco como demonstrado pela recente queda no ranking da UEFA para a 7.ª posição.

III - O Benfica será sempre solidário, mas realista
O Sport Lisboa e Benfica será sempre solidário com o desenvolvimento e melhoria do futebol português assente em visões realistas de desenvolvimento com uma ambição de crescimento enquadrada na competitividade do nível europeu. Contudo, essa solidariedade não pode significar abdicar do valor real e comprovado que o Benfica representa no mercado audiovisual, tanto a nível nacional como internacional.
Qualquer tentativa de artificialmente nivelar por baixo esse valor prejudicaria não só o Benfica, mas o futebol português no seu todo – enfraquecendo a capacidade de competir com os maiores clubes europeus e reduzindo a entrada de receitas externas via prémios de participação nas ligas europeias e uma menor valorização internacional dos atletas nacionais.
Em coerência com o exposto, o SLB vem comunicar as seguintes diligências:
• Suspensão do seu lugar de gerência na Liga Centralização até existir uma alteração de rumo, não acreditando que o processo em curso satisfará as necessidades do futebol português e do Benfica em particular.
• Solicitação urgente de audiências ao Governo de Portugal e a todos os grupos parlamentares para, em conjunto com a Liga, expor as preocupações aqui elencadas e propor alternativas.
• Pedido à FPF, LPF e PGR de uma investigação, acompanhada de uma definição de diretrizes claras, relativas ao exercício de funções de ex-árbitros em estruturas futebolísticas, bem como mecanismos que bloqueiem influências diretas ou indiretas na atual arbitragem.
• Em sede da Liga, com todos os clubes das ligas profissionais, acordar uma posição comum sobre os requisitos mínimos e um plano alternativo para uma centralização responsável e vantajosa para todos.
• Em concreto, este plano deve incluir:
– Valores esperados de direitos audiovisuais em diferentes cenários de quadros competitivos, para que os clubes possam tomar uma decisão informada;
– Criação de um fundo de emergência para apoio de clubes em dificuldades financeiras numa eventual transição;
– Formatos alternativos para a distribuição e promoção do produto futebol;
– Modelos de distribuição com base em mérito desportivo, valor mediático e audiências;
– Investimentos mínimos obrigatórios em infraestrutura e tecnologia por parte dos clubes;
– Mecanismos de escuta regular aos adeptos e operadores;
– Plano de combate à pirataria e modernização da legislação de proteção audiovisual;
– Propostas de revisão fiscal;
– Revisão do regime de seguros desportivos e proteção social no desporto profissional.

IV - Pela valorização coletiva do futebol em Portugal
Se queremos um futuro de sucesso então devemos ter a coragem de repensar toda a abordagem ao modelo de centralização. O Sport Lisboa e Benfica e a Benfica SAD reafirmam a sua solidariedade inabalável com todos os clubes do futebol profissional português. Não nos preocupamos apenas com o nosso futuro – preocupamo-nos com o futuro de todos. Mas com responsabilidade.
Não podemos embarcar numa aventura mal preparada que corre o risco de destruir valor, reduzir receitas e comprometer de forma duradoura o desenvolvimento do futebol em Portugal. Isso seria trair os pressupostos essenciais que foram garantidos aos clubes aquando da aprovação da centralização – todos os clubes teriam ganhos no seu valor de direitos e o futebol português sairia mais forte.
Mais do que afirmações ou profissões de fé, precisamos de garantir – com dados, com planeamento, com reformas concretas – que essas promessas são exequíveis. E avançar na centralização quando estiverem asseguradas as condições que a justificam: valorização do produto, crescimento real de receitas, modernização da indústria e reforço da competitividade.
Continuar a avançar sem estas garantias e um processo estruturado é um salto no escuro. E o futebol português não pode permitir-se esse risco. Nesse sentido, ponderadas todas as razões e todos os argumentos explicitados nesta carta, o Sport Lisboa e Benfica vem requerer a suspensão imediata do processo de centralização e o início de uma reflexão profunda e abrangente para a definição de um novo modelo de direitos televisivos a adotar para um futuro de sucesso do futebol português.
Da presente comunicação será dado conhecimento aos clubes das ligas profissionais de futebol portuguesas, ao Governo de Portugal, aos partidos políticos com assento parlamentar e à Autoridade da Concorrência.

Com os meus melhores cumprimentos
RUI COSTA Presidente do Conselho de Administração da Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD,

Lisboa, 08 de julho de 2025"

SL Benfica

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