"1 — Nestas linhas, num artigo de 03/12/2024, a propósito das críticas sempre tecidas aos clubes portugueses participantes na Liga Conferência e a medida em que prejudicavam a posição de Portugal no ranking, disse: «Veremos se os ditos grandes estão disponíveis para fazer como se faz nos outros grandes campeonatos permitindo uma distribuição que favoreça a qualidade do campeonato, e não apenas dos seus clubes mais fortes. É uma questão de visão. Se tivermos visão estreita, não prospetiva, cada qual olhando apenas para o seu umbigo, assistiremos a mais um desfilar de inconsequência e o campeonato português continuará com a miserável competitividade que tem. Se tivermos visão alargada, se percebermos que do crescimento dos nossos adversários resulta o nosso próprio crescimento, poderemos aspirar a ter um campeonato verdadeiramente competitivo e não apenas um sorteio anual entre três clubes.»
Mais tarde, em 25/02/2025, a propósito dos desafios para as novas lideranças de Liga e FPF considerei este «o tópico de maior relevância para o futuro da competitividade do futebol português». «Se soubermos negociar os direitos televisivos como um todo e deixarmos a pequenez de cada um o fazer por si; se soubermos escolher um broadcaster que queira apostar e potenciar o espetáculo e não apenas distribuir dinheiro; se soubermos o valor qualitativo imanente que tem o futebol português e não negligenciarmos a dimensão estética do espetáculo que passa na televisão; atingiremos uma proposta vantajosa para todos e capaz de potenciar um crescimento económico do futebol português para poder ter melhores condições de competitividade com os principais campeonatos».
É altura de voltar ao tema. Até porque esta semana o Benfica pediu a suspensão da centralização dos direitos televisivos (oh, que surpresa!). Sendo que em termos de argumentário me basto com o que disse nestes textos pretéritos.
2 — Um enquadramento. Quais são os países cujas Ligas têm os direitos televisivos centralizados?
— França, desde a criação da Ligue de Football Professionel, em 1984;
— Inglaterra, desde a criação da Premier League, em 1992;
— Estados Unidos, desde a criação da MLS, em 1996;
— Alemanha, desde 2000;
— Itália, desde 2010;
— Espanha, desde 2015.
Quais os países que têm a alteração prevista na lei e calendarizada mas se debatem com tentativas de adiamento? Brasil (que tem aprovada a Lei nº 14.205/2021, ainda não implementada) e Portugal (onde a Liga criou um grupo de trabalho para estudar a centralização, com vista à sua aplicação previsivelmente a partir de 2028/2029). Penso que esta análise nos basta para, num passo, percebermos do que estamos a falar, e num segundo passo, nos envergonharmos connosco próprios.
3 — Uma análise. Se fizermos uma comparação do campeonato português com os campeonatos de outras paragens, em termos de competitividade, temos os seguintes e interessantes números:
Alemanha - 30 campeões - Bayern, 33
Países Baixos - 29 campeões - Ajax, 36
Inglaterra - 24 campeões - Man. United/Liverpool, 20
França - 19 campeões - PSG, 13
Itália - 16 campeões - Juventus, 36
Espanha - 9 campeões - Real Madrid, 36
Portugal - 5 campeões - Benfica, 38
Estes números são absolutamente estratosféricos se comparados com os do campeonato nacional. E então se atentarmos na natureza absolutamente episódica dos campeonatos de Belenenses e Boavista, facilmente verificámos que aquele número poderia perfeitamente ser de apenas três. Veja-se que até a Espanha — tradicionalmente dominada por Real Madrid e Barcelona — tem mais 7 clubes campeões do país vizinho do que aqueles dois: Atlético Madrid (11); Athletic Bilbao (8); Valência (6); Real Sociedad (2); Sevilha (1); Deportivo Corunha (1); Betis Sevilha (1). Nós vivemos mesmo noutro Mundo, rodeando-nos dum ridículo de que nem nos conseguimos aperceber.
4 — Uma conclusão: o atavismo conservador dos chamados grandes do futebol português, a forma como vivem agarrados à bolsa das moedas tão próprio de tempos antigos, a sua falta de visão e dimensão, a sua falta de mundividência até (já que basta olhar para o lado para ver como os outros fazem), pode vir a destruir o futebol português. Esses clubes já são, com a sua dimensão social (deverão ter mais de 95% dos adeptos de futebol portugueses), o maior impeditivo ao crescimento dos clubes e suas massas adeptas (honrosa exceção do Vitória e do SC Braga). Depois há o que somos: enquanto os outros já implementaram este sistema há décadas, nós criámos grupos de trabalho. Este país é mesmo um milagre, consegue porfiar, apesar de ter tanto quem o tente pôr para trás."

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