"Não se deve permitir que as seleções se transformem em clubes sob disfarce
Nunca fui, por questão de princípio, a favor da naturalização de futebolistas e não se trata de sensibilidade patriótica, com a qual dificilmente me identificaria. Admito que haja situações na fronteira e ainda que a prática vem de muito antes de ter nascido.
Alfredo di Stéfano era argentino e representou ainda Espanha e Colômbia. Sem grande sorte, acrescente-se. Também os oriundi fortaleceram a Itália de Vittorio Pozzo e de Mussolini no bicampeonato mundial de 1934 e 1938, e por aí fora. Por cá, há muito que se abriu a porta e é uma batalha perdida - que agora não irei retomar -, contudo não deixo de torcer o nariz sempre que se fala de mais um nome, tantas vezes só porque sim. Galeno foi o último e parece que só não está nesta convocatória porque, entretanto, o Brasil se antecipou. Naturalmente.
Não está em causa a qualidade do jogador, que tem feito percurso interessante em Portugal, ou a ambição do próprio e do seu clube numa valorização no palco Seleção, se possível com a presença na fase final de uma grande competição, como o Europeu ou o Campeonato do Mundo. No entanto, se me leem há já algum tempo, sabem que sempre defendi que estar numa equipa nacional não deveria ser encarado como um prémio pelas boas exibições, mas sim o resultado de um cenário bem mais abrangente: um projeto autónomo de construção de um conjunto competitivo para o imediato e para o futuro. Ou seja, para lá da qualidade é preciso olhar para a utilidade e funcionalidade. Como é que o novo elemento se enquadra no grupo de 23? O que acrescenta e o que subtrai em relação ao colega que substitui?
O bom jogador que é Galeno resolveria a Martínez algum problema persistente na Seleção? Se mesmo Rafael Leão sente dificuldades no ataque posicional, que tipo de impacto poderia causar o extremo portista? E, mesmo tendo esse impacto, continuaria a ser solução a médio e longo prazo?
Não há aqui qualquer tipo de ingenuidade: se Galeno vestisse a camisola de Portugal num jogo oficial não poderia fazer o mesmo depois pelo Brasil. No entanto, será que é esse o exercício a ser feito? Prejudicar ou restringir a carreira de alguém só para não dar mais opções aos rivais? Se é, não posso concordar. Uma chamada a este nível teria sempre de significar mais do que o momento individual.
Se Galeno resolvesse um problema estrutural como, por exemplo, a escassez de extremos desequilibradores que aflige o futebol português - e não só -, não passaria de um remendo. A solução definitiva teria de ser encontrada na formação, com um plano específico. Tal como deveriam já estar a ser trabalhadas as lacunas que se preveem para os próximos tempos.
Temos muito a agradecer a Pepe, a Deco e a outros que se dedicaram à causa. Sem eles, os tempos teriam sido, sem dúvida, mais difíceis. Todavia, também é dos obstáculos que nasce o engenho. E se a porta está aberta que não a deixem escancarada. Para que não se perca a identidade e as Seleções não passem a ser clubes, recheados de nacionalidades diferentes, sob disfarce."
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