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sábado, 28 de outubro de 2023

Schmidt... por água abaixo!


"É cíclico e tradicional: o Benfica, quando vive um mau momento, divide-se, não se une. Entra em depressão, não se motiva. Falo do universo encarnado - adeptos, figuras do clube menos anónimas e mais ou menos notáveis - e não da equipa, naturalmente. Já não surpreende e é defeito da maioria dos maiores clubes. O futebol é, mais do que qualquer outra coisa, o resultado e a cada resultado negativo, na Luz ou no Barnabéu, em Old Trafford ou San Siro, lá desaba o céu sobre a cabeça. É o efeito da pressão que se vive nos grandes clubes, e o Benfica paga, evidentemente, o preço proporcional à sua grandeza. Depois da terceira derrota na Champions (zero pontos, ainda por cima com zero golos), das duas uma: ou a equipa encarnada dá a volta por cima rapidamente (tem quatro jogos para o conseguir, até à nova paragem do campeonato, a meio de novembro) ou arrisca seriamente ver-se absorvida pela atmosfera de desconfiança, crítica e depressiva, que pode marcar-lhe profundamente o resto da temporada. É o mesmo de sempre: nunca se ganha nada até dezembro, mas até dezembro pode perder-se muita coisa, muitas vezes irremediavelmente.
QUANDO na época passada quase não mexia na equipa, Roger Schmidt era criticado. A verdade é que num plantel mais limitado do que o atual, Schmidt não sentiu muita dificuldade em encontrar um onze-base. Agora, o treinador alemão é criticado por passar a vida a mexer no onze (creio mesmo que ainda não apresentou o mesmo onze em dois jogos seguidos) e esse facto parece revelar a enorme dificuldade que Schmidt tem sentido, desta vez, para acertar as peças. O que, quase em novembro, não é nada bom sinal. Mais uma vez, para os benfiquistas, o que a derrota com a Real Sociedad teve de pior nem terá sido, admito, propriamente a derrota, mas o fraco futebol, o frágil jogo coletivo, os menos de 40 por cento de posse de bola num jogo na Luz, a ausência de agressividade com e sem bola, a falta de frescura física e mental para competir em cada duelo, o posicionamento coletivo sem conseguir fazer pressão sobre o portador da bola, sem tentar provocar o erro, sem preencher bem os espaços. A dada altura do segundo tempo, vi a equipa de Schmidt com a tentar jogar tanto por dentro que tinha oito homens na zona interior do ataque e nenhum aberto em qualquer das alas. O problema não será, pois, individual, mas do coletivo. O que as derrotas trazem de pior num clube emocionalmente tão instável como tem sido, quase sempre, o Benfica, é o clima de desconfiança. E sabe-se como no futebol o clima de desconfiança é o pior dos inimigos porque facilmente se transmite para dentro da equipa e a conduz, também, à depressão.
EM 2017/18,quando o Benfica de Rui Vitória somou zero pontos na fase de grupos da Liga dos Campeões (inédito na história encarnada), com 1-14 em golos mesmo tendo tido adversários como Basileia (Suíça) e CSKA de Moscovo (Rússia), a águia era bicampeã nacional, mas nem isso lhe deu moral, força, capacidade de reação para evitar perder tudo o que havia, nessa época, para perder, apesar de ter entrado na temporada (tal como agora) a vencer a Supertaça. Cabe, naturalmente, a Roger Schmidt mostrar, agora, ter realmente mãos para enfrentar uma crise de estado de espírito, mas também, poderemos chamar-lhe, uma crise europeia, e ser capaz de gerir a instabilidade e a pressão que se abate, inevitavelmente, sobre a equipa, dando-lhe outro rumo, outra ligação em campo, outra segurança, outra fiabilidade, outra consistência no jogo. O Benfica não pode ter um plantel que lhe dá, aparentemente, um turbo, e quase parecer andar a jogar a gasóleo. Faz confusão ao adepto e compreende-se porquê. Mas não creio que valha a pena apontar o dedo a este ou àquele jogador. Parece-me fácil aliás, bater no pobre Jurásek como se Jurásek tivesse de pagar as favas pela saída de Grimaldo.
JULGO, aliás, que não fará qualquer sentido a despropositada comparação entre os dois jogadores e muito menos a ideia de com o dinheiro que custou Jurásek o Benfica teria conseguido manter Grimaldo. Primeiro: Grimaldo esteve sete épocas completas no Benfica (leu bem sete épocas!!!) e realmente a um nível muito elevado esteve para aí em três delas, nomeadamente nas duas últimas. Segundo: não deverá valer a pena fazer muitas contas, porque Grimaldo, está-se mesmo a ver, teria ido para o Bayer Leverkusen qualquer que fossem as intenções (e as possibilidades) do Benfica. Terceiro: Jurásek parece-me, na verdade, um jogador muito em bruto, sem grande escola e sem qualquer experiência de jogar a alto nível. Como dizia, a propósito, o holandês Van Bommel, treinador de um Antuérpia que acabou agora esmagado pelo FC Porto, jogar a este nível «é um novo mundo». O mais difícil, porém, é, para jogadores como Jurásek ou Arthur Cabral ou mesmo Kokçu (apesar de já ter outra rodagem é ainda muito novo) conseguirem resistir ao peso da crítica, ao tal clima de desconfiança e ao peso do que custaram. Quantos jogadores na história recente do futebol quase desabaram por não suportarem esse peso?!...
TEM Roger Schmidt uma tarefa inadiável: conseguir pôr o Benfica a jogar mais e mais intensamente. Pode, ou deve, apontar a um objetivo: até à nova paragem do campeonato, precisa de mostrar serviço nessa matéria, apesar do ciclo de quatro jogos ser exigente: Casa Pia, na Luz, já este sábado, 28 outubro; Chaves, fora, a 4 de novembro; Real Sociedad, fora, a 8 de novembro, e Sporting, na Luz, a 12 de novembro. Se conseguir vitórias, dará um safanão no estado de alma encarnado; se voltar a tropeçar de modo comprometedor, sobretudo do ponto de vista do que a equipa for, ou não for, capaz de jogar, então dificilmente Roger Schmidt conseguirá impedir uma crise. De consequências sempre imprevisíveis num clube tão grande como o Benfica, onde se exige, como em todo os grandes clubes, que a equipa dê sempre muito mais e deixe muito mais a pele em campo do que deu e deixou, esta semana, frente aos espanhóis da Real Sociedad. Não se trata de ganhar sempre. Trata-se de jogar melhor, sobretudo tendo em conta a expectativa gerada pelas aquisições e, mais uma vez, forte investimento.
COMPREENDE-SE, porventura, que a equipa seja incapaz de jogar melhor do que está a jogar quando já está a competir há três meses? Compreende-se tanta alteração nos onzes da águia? Até agora, nos 13 encontros jogados, em bom rigor só por uma vez Roger Schmidt apresentou o mesmo onze em dois jogos seguidos (Vizela, para a Liga, e Salzbug, para a Champions), ou melhor, em três jogos seguidos, porque do encontro com o V. Guimarães, na Luz, para o de Vizela, na verdade também apenas mudou o guarda-redes. De resto, Schmidt mexeu sempre na equipa e muitas dessas mexidas não foram devido a lesões. Porque mexe tanto? Porque está inseguro? Porque tem dúvidas sobre alguns jogadores? Não lhe dão o que lhe davam Grimaldo, Enzo Fernández ou Gonçalo Ramos? Mas ou Jurásek, Bernat, Kokçu, Di María ou Arthur Cabral não lhe dão o que Roger Schmidt queria que dessem ou então Schmidt ainda não percebeu o que podem dar eles à equipa. E só o treinador pode evitar que esse mistério se torne um pesadelo.
O que à partida parece difícil de contrariar é a ideia de o Benfica estar obrigado, com o plantel que tem, não a ganhar sempre, porque ninguém está obrigado a vencer sempre, mas a jogar mais futebol do que jogou, muito em especial, diante da Real Sociedad. Na Luz, já foi por água abaixo o mito de que Roger Schmidt gosta pouco de mexer no onze. Afinal, e pelo menos aparentemente, quanto mais são as soluções, como esta época, mais ele mexe. E menos consistente fica a equipa. Pior é se vai por água abaixo outra ideia, a de que Roger Schmidt trouxe realmente uma lufada de ar fresco ao futebol do Benfica. No futebol, a memória é curta e o que conta é sempre o momento, como bem sabe o treinador alemão. Ele e todos os homens do futebol. Disse, afavelmente, Schmidt, quando chegou, que quem gosta de futebol tem de gostar do Benfica. Pois, mas também já deverá saber Roger Schmidt, agora que já cá está há mais de um ano, que quem gosta do Benfica não pode gostar do futebol que o Benfica está a jogar!"

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