"Sofres irreparável perda familiar, és processado por agressão a uma criança, cais fora da Champions League porque os grandes clubes desconfiam do teu compromisso, és multado por insubordinação no clube, suspenso por falhas profissionais graves e finalmente despedido por quebra pública de confiança da entidade e da hierarquia. Mudas para a seleção e enfrentas a desconfiança de falta de solidariedade com os colegas e acabas a invectivar gratuitamente o seleccionador nacional.
Se o patrão da FEMACOSA, com o seu proverbial estilo de Rainha de Inglaterra, tivesse de sintetizar este seu ano, até ao dia de hoje, como observador privilegiado de todos os problemas protagonizados pelo seu príncipe Cristiano Ronaldo, servir-lhe-ia um histórico discurso de Isabel II, há precisamente 30 anos:
“2022 não é um ano que possa ser lembrado com grande prazer. Descambou num autêntico “Annus Horribilis”.
A sucessão de tragédias, escândalos familiares, traições amorosas, divórcios, desastres e castelos a arder que atormentaram a Família Real britânica em 1992, foi potenciada pela fama da Princesa Diana, o maior fenómeno de popularidade mediática à escala mundial, recorde que o jogador português luta denodadamente para superar com a ajuda das redes digitais, sem acautelar os danos colaterais de repulsa por desvios de comportamento, indesculpáveis à luz do socialmente correcto.
Graças a um assessor privado muito competente, a Rainha citava uma expressão usada um século antes pela Igreja Anglicana para descrever o ano de 1870, quando foi declarada a “infalibilidade do dogma papal” - o que, em linguagem laica, significava que quando o Papa fala ninguém pode duvidar, mesmo que ele peque, erre ou minta, notória e descaradamente.
Ela assumiu com coragem e frontalidade o que os assessores da FPF tentaram esconder, de forma canhestra, pondo em causa a autoridade e a seriedade do seu treinador em regime de prestação de serviços, por razões insondáveis e perigosíssimas para a coesão da seleção.
Nesta medida, também deve ser “horribilis” a sensação de Cristiano Ronaldo mais uma vez desautorizado e despojado da infalibilidade futebolística e pessoal que lhe fora reconhecida durante anos a fio, alcandorando-o a um estatuto ‘ex-cathedra’ que, por mais notórios que sejam os seus erros, ninguém tem tido coragem de discutir ou pôr em causa. Sentindo-se e vivendo como um Papa da bola, inquestionável por escritura e tradição.
Até ontem, pois todas as histórias de super-heróis, na essência da sua humildade e dádiva às causas superiores, merecem um final feliz.
O jogo de hoje entre Portugal e a Suíça, com uma atitude majestática de Cristiano, ainda pode desencadear a purga que transforme o horrendo 2022, in-extremis, em memorável “Annus Mirabilis”, como os tempos miraculosos da “Era da Razão” que iluminaram a mente humana e libertaram os espíritos das trevas da Idade Média.
Dir-se-á que, à razão de um próximo contrato de 500 milhões de euros, a era de Cristiano Ronaldo seguirá infalível e certa, sempre cheia de razão, como um daqueles relógios da sua coleção de luxo, CR7 Epic, com 26 diamantes, o mesmo número das pedras preciosas da seleção, lançada este ano por uma marca suíça.
Mas, no final de um reinado tão duradoiro como o da monarca recentemente falecida, Cristiano Ronaldo deve ter aprendido que o amor dos súbditos se conquista pela acção corajosa, liderante e aglutinadora, porque, como dizem os ricos e famosos, “o dinheiro não é tudo”.
A começar pelo discurso de compromisso e responsabilidade que pode proclamar hoje no balneário, projectando a voz para todos ouvirem bem e citando a maior “influencer” inglesa :
“Declaro diante de todos vocês que todo o meu jogo com a Suíça, seja longo como eu gosto ou curto por decisão do treinador, será dedicado ao vosso serviço e ao serviço do nosso grande país”."
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