"Caro Rui Jordão (aliás, Sr. Jordão).
Ao ouvir a notícia da sua mort, as primeiras ideias que me apanharam foi a da sua imortalidade e a de poder dizer o que Galeano disse de Muller sendo uma coisa a razão de outra:
- ... disfarçado de avozinha, ocultos os caninos e as garras, sem que, às vezes, alguém desse por isso, deslizava, lobo mau, até à grande área, diante das balizas lambia os beiços, a rede era a renda de noiva de uma menina irresistível - e, liberto do disfarce, lançava a mordida...
Estranho (ou não) logo se soltou, de dentro da minha cabeça, voz a lembrar-me gente que julgava mais marcante do que você (no futebol português):
- Do Ronaldo e do Eusébio, do Figo e do Chalana, do Futre ou do Deco nem é preciso falar...
e, como se me atordoasse com o rol, foi atirando, no seu clamor, ao rodopio:
- ... e ainda há o Artur José Pereira e o Pinga, o Peyroteo e o Travassos, o Águas e o Matateu, o Coluna e o José Augusto, o Hilário e o Simões, o Alves e o Humberto, o Oliveira e o Bento, o Nené e o Gomes, o João Pinto e o Vítor Baía, o Paulo Sousa e o Rui Barros, o Couto e o Rui Costa, o João Vieira Pinto e o Pauleta, o...
Não, não lhe permiti mais, perguntei-lhe apenas (a essa voz vinda do fundo menos emocional de mim) se se esquecera do Woody Allen ter dito, certa vez:
- Eu não quero alcançar a imortalidade através da minha obra, eu quero tornar-me imortal sem ter de morrer...
e rematei a questão como você rematava a bola que lhe chegava aos pés em flor e de lá saia em fogo nunca fátuo, exclamando-lhe (a essa voz vinda do fundo menos emocional de mim):
- Nesse meu recanto em que o coração tem razões que a razão pode não compreender (ou não querer compreender) Jordão já vivia imortal sem ter de morrer. E assim continuará, por lá, sem que eu esteja interessado em descobrir, caro Rui Jordão (aliás, Sr. Jordão), em que número ou que escala você está nessa imortalidade - a jogar eterno em mim como Galeano pôs Muller na sua poesia."
António Simões, in A Bola
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