"Bruno,
Conheci-te numa noite fria de inverno, na zona de Benfica e confesso que ao início nem te dei atenção. Ouvi o teu nome mas dizerem Bruno Lage ou António Joaquim foi o mesmo. Estava ainda atordoado com o buraco em que o meu clube se tinha metido. Só eu sei o que me passou pela cabeça na noite em que levámos cinco do Bayern, ou quando o Moreirense veio gelar a Luz com três golos ou no último prego do caixão, aquela derrota no Algarve com dois auto-golos. Tudo era mau demais. Depois do sonho do Penta falhado, eu já me via novamente a ter que viver a pior noite do ano, quando o Porto é campeão. Em que tenho que desligar tv, rádio e internet para fugir a toda e qualquer imagem da festa dos nossos rivais. Não consigo ver aquilo. Lembro-me de ver que tinhas apostado no 4-4-2 com o Félix na frente e pensar "epá, gosto disto". Mas depois aos 15 minutos já perdíamos 0-2 e achei que ias ser apenas mais um a ser engolido pelo buraco negro que ensombrava a Luz. Mas num abrir e fechar de olhos tudo mudou. 1, 2, 3, 4! A equipa alegrou-se e eu alegrei-me. Começaste a vencer jogos, primeiro de forma sólida, depois de forma exuberante. Demos 10 num só jogo, fomos vencer a Alvalade e ao Dragão, fomos campeões com 103 golos. Foste como um daqueles namoros intensos de verão em que tudo é perfeito e já te imaginas a casar e ter filhos, mesmo que só conheças a outra pessoa há alguns meses.
E no início desta época o estado de graça manteve-se. Fomos felizes no Algarve e a felicidade ainda se alastrou durante umas semanas. Só que entretanto, algo mudou. Tu estás diferente. Deixei de gostar das tuas conferências de imprensa. Falavas de futebol. Assumias quando algo não tinha corrido bem. Não me atiravas areia para os olhos. Eu não gosto disso, para cartilhas de comunicação já basta os outros yes-man que estão no nosso clube. Tu não, Lage. E sim, eu sei que o Félix era um portento que fazia jogar os outros. Tal como o Jonas. Mas não pode ser só isso. Explica-me Bruno, porque eu não percebo nada de tácticas, nem processos, nem todos esses chavões que vocês usam. Mas vejo futebol no estádio da Luz há quase 30 anos e sei ver quando a minha equipa joga bem. E nós não estamos bem. Andamos a ganhar porque isto é a Liga Portuguesa e somos muito superiores a 90% das equipas. Porquê a insistência num Seferovic que desde que foi pai não deve dormir à noite com o bebé a chorar e isso nota-se na sua sonolência em campo? Porque mexes na equipa nos jogos da Champions? Então o Cervi não joga nem para a Taça da Liga e depois metes na competição mais difícil? E ouvi-te a dizer que querias contratações cirúrgicas e um guarda-redes que saísse dos postes, onde estão eles Bruno? Porque não insististe mais com o Vieira? Porque já engoliste a cassete que no Seixal há solução para tudo, como se craques fosse a coisa mais natural de criar de forma regular e constante?
Calma. Deixa-me respirar fundo. Estou a ser se calhar demasiado agressivo para ti. A verdade é que a culpa não é só tua. Se calhar nem é sequer tua. Estás inserido numa estrutura com imensos méritos, altamente profissionalizada, que levou a "empresa", a "marca" e a "instituição" muito longe. 10 anos à frente até. Mas que ainda não entendeu que devia ter um único objectivo e não é nem os relvados do Seixal, nem a mudança do emblema para chinês ver. É construir uma grande equipa de futebol (e das outras modalidades, mas aqui para nós que ninguém nos ouve, basicamente a malta quer é uma grande equipa de futebol). Tu não sabes, mas eu digo-te: não gosto nada do Pinto da Costa. Nada, nadinha de nada. Mas um mérito eu dou-lhe: vende a própria mãe se for preciso para fazer o seu clube campeão. E eu não sinto isso nos dirigentes do meu clube. O Beckenbauer dizia que os clubes não devem ter o dinheiro no banco, mas sim no relvado. Pois o nosso clube recebe 200 milhões em vendas, mas pouco direcciona esses fundos para reinvestir na equipa.
Sim, eu sei por esta altura deves estar a dizer "mas calma. Vencemos 5 dos últimos 6 títulos, somos campeões em título e líderes. Nem tudo está mal!". E tens razão. Se calhar isto é a minha emoção a falar, falta-me ser mais frio e distante. Mas é difícil, Bruno. O Benfica é uma parte muito importante da minha vida. O meu sentido de humor durante a semana depende muito do resultado do Benfica ao fim-de-semana. E eu sinto que estamos à beira de um precipício. E não quero que demos um passo em frente, como o outro. Muito menos quero ser eu a dar esse empurrão. Por isso também eu vou tentar ser mais paciente com vocês e tentar suspirar menos e apoiar mais na bancada. Mas tens que me prometer que não me tentarás dizer que a equipa jogou bem quando não jogou nada bem. Que vais repensar essa ideia que na Champions se roda a equipa e coloca miúdos na montra, para olheiro ver. Que vais exigir à estrutura mais investimento na equipa de futebol. Que vais te esforçar em arranjar soluções para que voltemos a marcar todos aqueles golos que eu adorava ver. Não te quero ver mais sentado no banco, com a mão na boca e a olhar para o chão. Quero o Lage enérgico, entusiasmado e entusiasmante. Já fomos felizes e ainda o podemos voltar a ser. Acabemos este filme como os de Hollywood, com os dois no carro a conduzir em direcção ao pôr-do-sol. E metemos a estrutura na bagageira. Ok ok, no banco de trás..."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!