"O Benfica foi a Paris no dia 15 de Junho de 1967 fazer uma exibição de classe frente ao Angers. Venceu por 1-0 (golo do inevitável Eusébio) e apadrinhou a estreia de um jogador que ficaria na história do Clube: Adolfo.
Aqui há uns tempos falei de Artur, o «Ruço», correndo solto pelo lado direito. Hoje falo do lado esquerdo.
Gosto de andar pelo lado esquerdo: na rua e na vida.
Adolfo: Adolfo António da Cruz Calisto, por extenso.
No seu tempo o melhor defesa esquerdo de Portugal. Mais um produto desse alforge de jogadores que foi o Barreiro, onde nasceu no dia 1 de Janeiro de 1944. Em miúdo, no Barreirense e no Seixal, era avançado. No Benfica era um defesa-avançado, se assim lhe quisermos chamar. Ia e vinha pelo lado esquerdo, procurando os companheiros da frente, baralhando os adversários de trás.
Disse um dia que o pontapé-na-bola no sítio da «Escavadeira» lhe valeu muitas sovas do pai, António Calisto, e sobretudo da mãe, Joaquina Curado. Valeu-lhe sovas e as sovas valeram-lhe de muito, deixem estar. O vício entrara nele como o caruncho entra na madeira. E não saiu.
Entranha-se na equipa de Juniores do Barreirense e ninguém o estranha. Vai completando lugares, assim a modos de quem colecciona os velhos cromos das nossas infâncias: pontapé-de-bola, ponta-esquerdo, lateral-esquerdo. É aí, nesse lugar que ficará famoso. Recebe convites do FC Porto, da CUF, do Vitória de Setúbal. A todos diz: não!
José Augusto é uma daquelas figuras incontornáveis do Benfica. Um bom amigo, eu que o diga, sempre atento ao que se passa no Futebol da sua terra: o Barreiro, pois claro!
Adolfo não foge ao seu crivo de olheiro fino. Marca-o a ferro em brasa na memória e fá-lo vir para o Benfica: num ano único para a história do Futebol português - 1966 do Verão do nosso contentamento.
E o Benfica é um nunca mais acabar de estrelas: Eusébio, que cintila mais do que todas as outras, e Coluna, Simões e Torres, José Augusto e Costa Pereira.
Estreia-se na equipa principal no dia 15 de Junho de 1967.
Elogios atrás de elogios
Nesse dia o Benfica estava numa cidade que sempre disse muito a Eusébio. Foi em Paris que ele fez o seu baptismo internacional num e inesquecível jogo frente ao Santos de Pelé.
Adolfo não teve direito nem a Santos nem a Pelé.
O adversário que os 'encarnados' enfrentaram nessa noite no Parque dos Príncipes era o Argers Sporting Club de L'Quest, ou simplesmente Angers, nesse tempo uma das principais equipas do campeonatos francês.
Adolfo jogou na esquerda, o que não era surpresa nenhuma. A seu lado, na defesa, Cavém, Raúl e Jacinto. Atrás destes quatro, José Henrique. Daí para a frente, Jaime Graça, Calado e José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
Não há aqui espaço para suspenses à Hitchcock: o Benfica ganhou por 1-0, golo do inevitabilíssimo Eusébio da Silva Ferreira, num lance bem ao seu estilo que deixou o público francês rendido à sua classe. E, diga-se também, à classe do próprio Benfica.
A imprensa não poupou elogios: «Ontem à noite, no Parque dos Príncipes, frente ao Angers, uma das melhores equipas de França, e perante uma assistência pletórica de entusiasmo, o Benfica alcançou uma vitória por 1-0, mas uma vitória alicerçada em Futebol de inquestionável categoria, fascinantemente espectacular».
E um pouco mais à frente, nessa edição do «Diário de Lisboa»: «Diante de uma equipa de tal quilate, a máquina benfiquista funcionou com soberana precisão, digamos mesmo, com diabólica precisão, passeando pelo Parque dos Príncipes para orgulho dos inúmeros portugueses presentes, uma superioridade majestática própria dos grandes senhores».
Adolfo pode não ter sido baptizado pelo Santos ou por Pelé, mas quereria estreia mais eloquente?
Voltaria à reserva até que uma lesão de Cruz lhe abriu o lado direito da defesa no grupo dos titulares num jogo frente ao FC Porto. Depois voltou à esquerda, onde se sentia bem. Alternou - no bom sentido, é óbvio. No fundo, jogava onde fosse preciso. Ficou nove anos na Luz e foi campeão em seis. E figura grande da festa da Minicopa, em 1972, treinado por José Augusto, o homem que o trouxe para o Benfica, então seleccionador nacional.
O tempo passou célere sobre essa noite de Paris em que Adolfo foi um dos príncipes vermelhos que passearam no parque. Nunca a esqueceu... Por isso a recordo aqui."
Afonso de Melo, in O Benfica
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