"Desde a saída de João Félix no Verão de 2019 que tem faltado um verdadeiro criativo à equipa principal do Benfica. Aquele jogador com grande capacidade de jogar entre linhas, com grande capacidade de execução e definição no último terço do terreno de jogo, aquele jogador que já sabe o que vai fazer com a bola ainda antes de a receber e que é capaz de decidir um jogo com um simples gesto técnico.
Quem já acompanhava a carreira de Roger Schmidt antes de se tornar treinador do Benfica, sabia que o seu sistema táctico predilecto é o 4-2-3-1, uma táctica que contempla a presença desse número 10 que tem faltado à equipa encarnada nos últimos anos. Dadas as circunstâncias, muitos benfiquistas entendiam que a posição de número dez era uma das prioridades a reforçar no mercado.
Já com Roger Schmidt no comando técnico do Benfica, houve um momento em que tudo indicou que esse número 10 seria Mario Gotze. O médio internacional alemão já tinha sido treinado por Roger Schmidt no PSV e chegou a ser dado como certo no Benfica, mas o desejo do jogador regressar à Alemanha falou mais alto.
No entanto, começando a acompanhar os jogos do Benfica na pré-temporada, deu para perceber uma coisa: a função de número 10, jogando no apoio ao ponta de lança, era desempenhada por Rafa Silva, que ao longo do seu percurso de águia ao peito, jogara quase sempre como extremo.
Apesar de terem sido apontados outros médios-ofensivos ao Benfica no que restou do mercado de transferências, esta aposta de Roger Schmidt viria para ficar. E a verdade é que, contra as expectativas de muitos adeptos, o ex-internacional português não só tem tido um rendimento mais consistente, como conseguiu obter esse mesmo rendimento numa posição que não lhe era familiar. Mas afinal de contas, como é que isso foi conseguido?
Uma das questões que mais se coloca no mundo do futebol a nível do treino e da ideia de jogo, é se um treinador deve adaptar o seu modelo de jogo aos seus jogadores, ou se são os jogadores que têm de se adaptar ao sistema de jogo do seu treinador.
Ora, ao longo da sua carreira, Rafa Silva sempre de destacou por ser um extremo muito rápido e exímio no ataque à profundidade, sabendo muito bem explorar o espaço nas costas da defesa adversária. As suas características sempre fizeram dele uma arma bastante perigosa nos momentos de transição ofensiva.
Porém, Rafa Silva também sempre mostrou deficiências em aspectos do jogo que muitos consideram essenciais para um número 10 de alto nível, nomeadamente a nível da recepção de joga e da capacidade de definição dos lances. Rafa não tem o perfil para ser um clássico número 10, sendo um jogador que precisa de espaço para render e que não se sente confortável a jogar em espaços curtos.
Como tal, jogando na posição de médio-ofensivo, será mais difícil para o extremo de 29 anos encontrar o tal espaço para mostrar o seu jogo, ainda para mais, num campeonato no qual a maioria das equipas defendem nos seus últimos 30/40 metros. Sendo assim, para que Rafa tenha esse espaço, é preciso que os seus colegas de equipa arranjem esse espaço para ele. E como é que isso é feito? É feito através de dinâmicas colectivas que permitam ao Rafa render na posição.
Gonçalo Ramos tem nesta época 11 golos marcados em 23 jogos oficiais, tendo ainda marcado mais dois golos na pré-época. Boa parte destes golos surgiram em situações em que o extremo ribatejano apareceu no coração da área livre de marcação, finalizando ao primeiro ou ao segundo toque.
Nestas aparições do Rafa em zonas de finalização, o papel do ponta-de-lança tem sido fundamental, quer através dos seus movimentos em profundidade que aumentam o espaço entre linhas para o Rafa aparecer, ou através de recuos no terreno de modo a atrair a linha defensiva adversária a fim de Rafa explorar as suas costas.
Logo na pré-temporada, já deu para ter uma ideia destas dinâmicas. O primeiro golo no amigável contra o Nice surgiu de um movimento em profundidade de Gonçalo Ramos, fixando a linha defensiva adversária e arrastando o central brasileiro Dante. Rafa apareceu sozinho no coração da área, tendo tempo e espaço para receber a colocar a bola fora do alcance do guarda-redes adversário.
No lance do golo que deu a vitória em Famalicão na sexta jornada do campeonato, aparece Petar Musa mais recuado e Rafa em linha com a defesa famalicense a ameaçar a profundidade. A troca posicional entre os dois jogadores deixa a linha defensiva adversária indecisa. As soluções que o ponta-de-lança croata oferece entre linhas e em apoio frontal têm sido bem exploradas pelo ex-internacional português.
No primeiro golo frente ao Maccabi Haifa na primeira jornada da Fase de Grupos da Liga dos Campeões, Petar Musa recua para dar apoio frontal à jogada. O seu movimento arrasta o seu marcador directo, abrindo um buraco na linha defensiva adversária, no qual Rafa aproveitou para combinar com Grimaldo, aparecendo à beira da pequena área para rematar de primeira.
Aqui, foi mais uma vez a solução em apoio a fazer a diferença. Com os centrais maritimistas a acompanhar Rafa e Gonçalo Ramos, o extremo ribatejano enganou os adversários ao simular receber o passe de Grimaldo, enquanto Gonçalo Ramos os afasta da jogada ao isolar Rafa na cara do guarda-redes Miguel Silva com um toque subtil. A capacidade de antecipação e rapidez de execução do avançado algarvio também foi determinante no sucesso do lance.
Em suma, creio que é justo dizer que Rafa não se tornou num jogador diferente ou que tenha acrescentado coisas novas ao seu jogo. Simplesmente, houve uma adaptação entre o jogador e as ideias do seu treinador, no qual Rafa se adaptou a um conjunto de dinâmicas colectivas, dinâmicas essas que Roger Schmidt implementou com o pretexto de tirar partido das suas qualidades em zonas mais próximas da baliza adversária."
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