"1954 foi um dos anos bestiais da história benfiquista. Apesar do poderio desportivo português pertencer a Sporting Clube de Portugal e Clube de Futebol ‘Os Belenenses’, o SL Benfica preparava, à data, importantes mudanças que mudariam retumbantemente o futuro: aterravam em Lisboa um senhor brasileiro chamado Otto e de Moçambique vinha um guarda-redes com o nome de Costa Pereira; e se tais contratações não fossem históricas, ajudou a isso a inauguração da casa benfiquista, finalmente.
Fartos de andar com a trouxa às costas, os benfiquistas andavam há 50 anos a deambular pela cidade, das Terras do Desembargador ao Campo Grande, passando pelo Campo da Feiteira, Sete Rios e Amoreiras. Foram anos duros e que terminariam na justificada emoção de Joaquim Ferreira Bogalho, o mítico dirigente do Benfica que naquela tarde chorou de… alívio. A águia tinha, por fim, um ninho.
Em tarde ocupada pelas demais actividades recreativas naquilo que foi um autêntico festival, com o desfile de 54 clubes (mais de 3000 atletas), o prato maior veio com a partida frente ao FC Porto, que terminaria 1-3 a favor dos azuis, numa pequena e insignificante vingança pelos 8-2 da inauguração das Antas, dois anos antes.
Naquele simbólico 1 de Dezembro (a intenção duma associação à restauração nacional nunca foi escondida), o esforço de todos os benfiquistas foi concretizado numa fantástica infraestrutura, quase sem ímpar naquele Portugal e só igualada pelo majestoso Estádio Nacional.
Em clima de paz podre e contrariamente à vontade da maioria de quem compunha as bancadas, um deputado da União Nacional, Urgel Horta, dirigiu-se às massas com demagogias várias, até finalizar assim: «Daqui, do alto da minha tribuna de deputado, velho praticante e dirigente, saúdo o Benfica, apontando-o como exemplo que deve ser imitado e seguido, a Bem da Nação.» Sacrifícios de parte a parte.
Desde a capacidade para 40 mil vozes, inicialmente, e 135 mil na maior enchente registada, milhões foram as almas benfiquistas que passaram pelas bancadas de pedra da Luz e levaram o Benfica aos maiores feitos da sua história, numa exigência ímpar que quem testemunhou diz ser inigualável. Foi daquela tribuna que se viu a viragem para a nova década, a década dos deuses do Olimpo vermelho. Foi dali que se viram equipas imparáveis e que se venerou a melhor equipa portuguesa de sempre.
Estádio criado de e para benfiquistas, construiu história sempre ligada ao amor pelo clube e aos sacrifícios em prol dele. Desde a sua construção, em que cada sócio dava o que tinha para ajudar ao seu levantamento, fosse dinheiro ou uma cavadela para aumentar o tamanho dos alicerces, até à triste destruição, em que cada um levou um pouco de si. A obra surgiu de tal forma mítica e imponente, tanta carga mística acolheu nas fundações que provocou a dúvida a dogmas vários da população que nunca, em 50 anos, conseguiu decifrar o enigma de contornos religiosos e a definição total do seu significado: catedral ou… inferno?
No dia de hoje, é momento para celebrar a casa que tanta saudade nos traz e desejar que a Nova Luz faça jus à antecessora. Parabéns, alegre casinha."
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