"Sem um bom adversário, todos os animais no mundo, todos os clubes, todos os atletas, todos os artistas, seriam fraquíssimos lentíssimos e bem estúpidos.
A quem agradecer quando se ganha
1. - A bom gato bom rato.
- Pois. Como explica esta frase, excelência?
- Se Vossa Excelência tem um rato forte e ágil e astuto e inteligente que o incomoda, o que deve procurar?
- Isso é fácil.
- Diga, excelência.
- Devemos, procurar um gato forte e ágil e astuto e inteligente.
- Exactamente.
- E portanto..?
- E, portanto, pode ter a certeza de que se domesticar um gato forte, ágil e astuto e inteligente e se não existir rato, o tal gato forte, ágil, astuto e inteligente ficará irritado porque não tem rato forte e ágil e astuto e inteligente que possa caçar.
- Isso, compreendo. Fica irritado. Até eu já estou a ficar com essa repetição.
- Mas a questão não acaba aí.
- Não?
- Não.
- À irritação segue-se a aceitação.
- Aceitação do gato.
- Aceitação por parte do gato forte, ágil, astuto e inteligente - do facto de não ter um rato forte, ágil, astuto e inteligente para caçar.
- Ok, compreendi.
- E depois de aceitar essa situação o gato forte, ágil, astuto e inteligente ficará mais mole, mais preguiçoso.
- Levanta-se mais tarde, mexe-se menos - para quê mexer-se?
- ... fica menos atento, adormece em cada canto, começa a engordar um pouco.
- Ui.
- Ou seja?
- Ou seja...
- O gato, que era forte, ágil, astuto e inteligente, sem um rato forte, ágil, astuto e inteligente, começa a ficar um gato fraco...
- ... lento...
- ... pouco atento...
- .... e pouco esperto.
- Sim?
- Sim, sem dúvida.
- Em poucos meses o gato que ficará fraquíssimo, lentíssimo e muitíssimo estúpido.
- Que chatice.
- Moral da história?
- Sem um bom adversário, excelência, todos os animais no mundo, todos os clubes, todos os atletas, todos os artistas, seriam fraquíssimos, lentíssimos e estupidíssimos.
- Ou seja, agradeça ao seu adversário: todas as qualidades que vossa excelência tem foi ele quem as aperfeiçoou.
- Quase sempre, no fundo, quando se ganha, os agradecimentos estão errados.
- Sim.
- Agradece-se a quem esteve do nosso lado, quando se deveria agradecer aos inimigos.
- Isso, isso mesmo.
Conselhos sobre conduta.
2. - Acender uma vela a Deus outra ao diabo.
- Sim, é melhor ir pelos dois caminhos.
- Não esquecer nenhum dos lados.
- Se não for a bem, vai a mal.
- Mais: se não for a mal, vai a bem.
- Eu diria: no limite, vai mesmo a bem.
- Em certos contextos, utilizar a bondade e os bons comportamentos... só mesmo se for necessário.
- Sim, só em última defesa.
Sobre a importância da sorte.
3. - Para o amor e para a morte não há cosia forte.
- Pois.
- Podes exercer toda a tua força sobre a morte e nada. Não vences a morte; nem num jogo de xadrez nem com a força do pulso.
- Nem por via da mente e do intelecto nem por via muscular e bruta.
- Nada, a morte não se vence pelo argumento nem ao murro.
- O mais forte é bem fraco perto da morte.
- Sim.
- O mais inteligente é boçal e estúpido diante da simples morte.
- Sim.
- E depois há o amor.
- Para o amor e para a morte não há coisa forte.
- Ou seja, só há coisa fraca.
- Diante do amor, tudo é lingrinhas e frágil.
- Pois.
- Mas se colocas amor e morte em ringue de boxe, nada a fazer. A morte vence sempre.
- Proposta de alteração ao provérbio: só a morte é coisa forte para o amor.
- Ou ainda...
- O amor, a morte e a sorte, não há nada mais forte. Um acrescento.
- A sorte, a sorte. Na vida e no jogo. Sim, não nos esqueçamos dela. A forte sorte."
Gonçalo M. Tavares, in A Bola
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