"Foi do Benfica, do Sporting, do Belenenses e do FC Porto, só nas Antas nada ganhou; Da revolução aos castigos
1. O avô materno era de Gaia, o paterno dos Açores - e ele nasceu no Rio ao raiar de 1917. Contava, deliciado, que começou a dar nas vistas quando, pequeno, partia vidraças com bola que lhe saía em fogo dos pés pelas ruas do bairro da Tijuca. O sangue português levou-o para o Vasco da Gama (e não, não foi só para jogar futebol, também foi para jogar basquetebol).
2. Do Vasco saltitou para o Botafogo. Como estava a tirar curso de direito, aos 34 anos deixou o futebol para só jogar basquetebol. Logo teve outra ideia: fazer curso de treinador de futebol - com distinção o fez. Fez mais: aplicou ao futebol ideias do basquete: a importância da posse e recuperação, às triangulações, a marcação à zona.
3. Flávio Costa (o treinador que perderia, no Maracanazzo, o Mundial de 50) desafiou-o trabalhar consigo no Vasco. Foi. De lá saltou, ainda só como assistente técnico de Zezé Moreita, para o Botafogo (que nesse ano de 1948 venceu o campeonato carioca).
4. Com o Vasco a correr no sonho de se tornar tricampeão carioca, em 1951 Menezes Póvoa chamou-o para suceder a Flávio Costa como treinador principal - e o que aconteceu, um jornalistas resumiu-o numa frase: «o certo é que não deu certo».
5. Era um frasista notável e foi ele quem primeiro o percebeu e disse: «Treinador quando vence é bestial, quando perde é uma besta». Indo do Vasco para o América, mostrou o que era: bestial. Isso percebeu Joaquim Bogalho nas Salésias, ao ver o América bater o Benfica por 3-1. Treinador benfiquista era Ribeiro dos Reis, por lá passaram, de seguida, Valdivieso e Valadas - e para época de 1954-1955 já foi ele (que assim se tornou primeiro treinador brasileiro em Portugal).
6. Ao assinar contrato pelo Benfica, deram-lhe 60 contos, em luvas. Ficou a ganhar 12000 escudos por mês. Outra promessa recebeu: que qualquer título de campeão lhe valeria bónus de 100 contos (que, hoje, seriam pouco menos que 40000 euros). Para além das suas inovações tácticas (pondo a equipa no 4x2x4 com que o Brasil seria campeão do Mundo em 1958), implementou as concentrações e os estágios, proibiu os jogadores de utilizar o calão até.
7. Ângelo Martin revelou-o: «Ao criar-se o Lar dos Jogadores, espécie de regime de vigilância máxima, quem não cumprisse os horários era multado a doer. Havia também controlo para quem não vivia no Lar, os casados. Uma vez, fui apanhado em casa duma vizinha às 23.10 horas, na sua festa de anos, e aplicaram-me 1000 escudos de multa por causa desses 10 minutos de atraso. Eu só ganhava, então, 750 por mês, fora os prémios, claro».
8. Também determinou que nem sequer Bogalho podia entrar no balneário sem lhe pedir autorização - e fez, de pronto, do Benfica campeão, campeão de 1954/55 (graças ao golo de Martins quando o Belenenses já festejava o título).
9. FC Porto impediu-lhe a revalidação do título, campeão voltou a ser em 1955-1956 (em que também ganhou o campeonato de basquetebol, com Costa Pereira a jogá-lo) e deu mais um sinal do seu espírito: na Luz, com o Belenenses, antes da meia hora vencia por 2-0, o jogo acabou empatado 2-2. Zangado, ouviu-se-lhe: «Os jogadores não cumpriram o que lhes disse, deve ter-lhes dado alguma coisa na cabeça». No dia seguinte, cada um tinha notícia de multa de 500 escudos «por negligência e por não terem acatado as ordens do treinador» (nenhum deles ganhava de ordenado ainda sequer 3000 escudos - que, hoje, seria menos do que 1200 escudos - e, por essa altura, as boas bicicletas vendiam-se a 1350 escudos).
10. Quando o Benfica foi ao FC Porto buscar Béla Guttmann, ele foi para o Belenenses - e lá ganhou a Taça de Portugal. Em 1961 passou fugaz pelo Sporting - deixou-o ao sentir-se contestado até no jornal do clube e ao bater, enfarinhado, com a porta, afirmou: «Não se fazem omeletas sem ovos». Ao Sporting haveria de voltar para ser campeão também. Só no FC Porto nada ganhou - mas dois anos depois, porém fez mais história: ao levar Portugal ao terceiro lugar no Mundial de Inglaterra. Voltou ao Benfica ganhando mais do que já lá ganhara. A seleccionador de Portugal regressou com vista ao Euro 1984 - e não, não foi por falha nos resultados que já lá não chegou..."
António Simões, in A Bola
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