"Foi o país abençoado por mais um milagre de cultura geral. Bastava ligar a televisão ou apanhar o autocarro em hora de ponta para se dar conta pelo ouvido de que tivemos desde 2.ª feira um oportuno exército de milhões de especialistas instantâneos em estruturas de betão. Ontem, quando o Laboratório Nacional de Engenharia Civil se pronunciou sobre a matéria ninguém ligou aos pareceres dos técnicos. Na consciência colectiva da nação já está estava entranhado o parecer dos leigos sobre o episódio do Estoril. Leigos e acicatados. Trata-se de futebol, entenda-se.
E, assim sendo, o que continua a interessar ao Porto é ganhar o jogo seja onde for. Ao Sporting interessará que o Porto não ganhe o jogo na secretaria porque daria mau aspecto à Aliança. Ao Estoril interessará ganhar o jogo na secretaria porque lhe invadiram o campo ao intervalo. Já ao Benfica interessa que o Porto ganhe o jogo na secretaria. Porquê? Porque é essa a única jóia que falta na internacionalmente famosa coroa do dragão. E porque, se acontecesse, seria tema de glória para meio século, pelo menos.
Só uma cambada simpática de ingénuos – os ingénuos são sempre simpáticos – poderá levar a sério as supostas infidelidades e trocas de acusações exibidas na praça pelos directores de comunicação do Porto e do Sporting meio ano depois do consórcio estabelecido entre as partes num hotel. É certo que a fase tórrida do "aluguem um quarto" já lá vai – era inevitável – mas daí até olhar-se para o Altis como o paraíso perdido da mais bela história de amor ainda falta tempo. Não falta muito, é certo.
No princípio da semana foi notícia breve em alguns jornais a morte de Maria Margarida Ribeiro dos Reis, que durante meio século exerceu mais do que capazmente a profissão de directora-adjunta de ‘A Bola’, jornal fundado, entre outros, pelo seu pai. O legado de Margarida Ribeiro dos Reis não se cinge a um nome, o seu, impresso durante 48 anos três vezes por semana e, por fim, diariamente no cabeçalho do jornal. Tratou-se, mais do que isso, de uma mulher que se iniciou no exercício de um alto cargo de administração numa sociedade proprietária de um título numa época em que às mulheres, genericamente, não se confiavam responsabilidades nem tamanhas nem nenhumas. O jornal, como se não bastasse, era um ‘desportivo’ considerado então, como todos os demais, exclusivo como ofício para homens. Margarida Ribeiro dos Reis foi uma pioneira respeitada por gerações que com ela trabalharam. Num filme de 1998 sobre os supostos amores de Shakespeare existe uma cena, muito breve, em que a actriz Judi Dench, representando o papel da rainha inglesa Isabel I, profere o seguinte desabafo sobre as tábuas de um palco vedado, à época, ao sexo feminino: "Eu sei o que é ser uma mulher numa profissão de homens. Sim, eu sei o que isso é." O cinema, por vezes e por estranhos caminhos, conta-nos verdades."
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