"Assiste-se a um clima de guerrilha. Que alguém depois de matar o pai e a mãe não venha a invocar o facto desculpante de ser órfão.
1. Ontem foi o dia em que desceram as persianas. As janelas ditas do mercado ficam agora fechadas. Estão vedadas, pelos próximos meses, novas contratações e velhas negociatas. À hora em que escrevo, porém, esse momento ainda não havia chegado. Não estou, portanto, em condições de avaliar quantos sonhos mais foram comprados a peso de ouro. Seja como for, é inevitável, tanto pela natureza das coisas como por prova empírica, que não poucos desses sonhos acordarão como pesadelos.
Tudo isto me faz lembrar uma conhecida estória protagonizada pelo imortal Winston Churchill, antigo primeiro-ministro inglês e também laureado com o prémio Nobel da Literatura. Mas talvez seja a sua faceta repentista aquela que a História mais recordará. Como terá sucedido, quando, num evento de beneficência, uma já vetusta senhora de boa sociedade o apostrofou publicamente com a seguinte declaração: «Eu, se fosse a sua mulher, punha-lhe veneno no chá!» A resposta não se fez esperar: «E eu, se fosse o seu marido, tomava-o».
2. Quase uma década atrás, mais precisamente no já longínquo ano de 2008, em Pequim, onde se desenrolavam os Jogos Olímpicos, um atleta nosso concidadão justificou a sua miserável prestação, com a consequente e inevitável eliminação, pelo facto de à hora em que decorreu a prova, usando as palavras do próprio, «as pernas queriam era estar esticadas na cama». Mais lapidar ainda: «Cheguei à conclusão que de manhã só estou bem na caminha».
Já Fernando Pimenta, o canoísta português, que neste domingo conquistou o título de campeão do mundo de K1 5000 metros, não teve qualquer pejo em apontar «uma noite tranquila de sono», na véspera da competição, como um factor determinante do sucesso.
3. Os sonhos podem ser muito bonitos mas só se sonha a dormir. Para vencer de verdade é necessário estar não apenas desperto mas em estado de vigília. Não é sem algum grau de perplexidade que, ainda a época mal começou, já se assiste a um clima de guerrilha, para não dizer guerra suja. Não sei como acabar com isto. Não sei mesmo se alguma vez acabará. Mas temo profundamente que não acabe sem um pesadelo: que alguém, depois de matar o pai e a mãe, ainda venha a invocar como causa desculpante o facto de ser órfão."
Paulo Teixeira Pinto, in A Bola
PS: Se calhar, em vez de misturar tudo e pôr todos no mesmo saco, a melhor maneira de evitar 'pesadelos', é chamar os 'bois pelos nomes'!
Dizer que são todos iguais (ao estilo Trump, quando afirmava que Nazis e aqueles que lutam contra Nazis, são todos iguais), nem que seja por omissão, não ajuda... bem pelo contrário.
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