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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

As eleições no Benfica: um clube ou um culto?


"Como é possível que Rui Costa, apesar da mediocridade desportiva, da prodigalidade financeira, do desgoverno estratégico, da incapacidade política, da opacidade administrativa e das limitações profissionais que a sua estrutura evidenciou nos últimos quatro anos, tenha liderado a primeira volta das eleições para a presidência do Sport Lisboa e Benfica e se perfile como o favorito, segundo a generalidade dos observadores, para a vitória final?
Há quem diga que esta curiosa situação se deve a fragilidades de João Noronha Lopes, o seu principal e subsistente adversário — vítima de uma operação de assassinato de carácter montada por sicários da comunicação, condicionado pela falta de agilidade retórica própria de um administrador de empresas e destituído do magnetismo pessoal que inspira a crença e o fervor das massas. Estas explicações são superficiais. Poucos acreditam sinceramente na tese risível de que o concorrente é a segunda vinda de Vale e Azevedo ao mundo benfiquista, mesmo que alguns o escrevam em letras garrafais nas paredes imundas das redes sociais.
A falta de agilidade retórica não impediu outros candidatos à presidência de grandes clubes de alcançarem o êxito eleitoral, porque o futebol pertence ao reino da ação, não do verbo. E o carisma nunca foi, na tradição de governo portuguesa, o que conduziu os líderes ao poder, antes um atributo que adquirem pelo seu exercício; o que atrai os portugueses é a autoridade.
Este último facto insinua uma hipótese alternativa. Vencer eleições contra o incumbente é muito difícil, sobretudo entre nós. Para se ter uma ideia, só dois primeiros-ministros em funções foram derrotados nas urnas em toda a nossa história democrática — um paraquedista e um desbaratador. Quem está no poder parte com grande vantagem, mesmo que não tenha obra de monta para alardear. Mas a pobreza da gestão de Rui Costa é de tal ordem — resultados insuficientes no futebol sénior, declínio visível em várias modalidades, finanças entregues aos humores da fortuna, comportamento letárgico nas instâncias desportivas e um estado de coisas pautado pela falta de consistência, transparência e competência — que o prémio eleitoral da incumbência não tem força explicativa suficiente.
Apesar dos 42% na primeira volta não terem sido um bom resultado, são um resultado demasiado lisonjeiro para o trajeto depressivo que o Benfica percorreu neste mandato. Estamos pior em praticamente todos os planos, do rendimento desportivo à sustentabilidade financeira, do que estávamos em 2020, quando João Noronha Lopes desafiou um Luís Filipe Vieira em perda visível de resultados e influência.
Parece-me improvável que outro incumbente resistisse a esta degeneração, tendo em conta a justa impaciência e exigência dos sócios de um clube com um passado glorioso e uma grandeza única.
Ao contrário do que pensam alguns, Rui Costa não resiste ao império dos factos por os benfiquistas terem renunciado ao espírito de conquista ou por terem mergulhado no derrotismo fatalista, embora seja inegável que, entre os que viveram o calvário dos anos 90, se tenha instalado o receio da mudança e a aversão ao risco. Resiste porque, no imaginário de muitos sócios, Rui Costa não é apenas uma pessoa, cujas qualidades e defeitos possam ser apreciados com objetividade por aqueles a quem compete fazê-lo periodicamente. É um mito — o mito universal do salvador prometido. Afastá-lo da presidência do clube não é apenas uma decisão soberana dos sócios sobre as qualidades relativas dos candidatos, mas o fim doloroso de uma ilusão profundamente radicada no universo benfiquista.
Por isso, a escolha que é dada aos sócios no próximo sábado não é, como seria expectável e saudável, apenas a escolha entre dois indivíduos que se candidatam a governar os destinos de uma grande instituição dotada de uma organização complexa — um incumbente com um currículo sofrível e um concorrente com um currículo promissor. Não é apenas a escolha entre uma aglomeração desconexa de indivíduos e uma equipa de profissionais de excelência. Não é apenas a escolha entre um programa estratégico e um panfleto anedótico. É uma escolha existencial entre a realidade e a mitologia.
A redução caricatural de Noronha Lopes — convertido pelos óculos de uma fantasia sórdida em gestor de uma cadeia de hambúrgueres, dono de uma churrasqueira falida, consultor de empresas falhadas e cabeça de um corpo parasitário —, apesar de absurda, é o mecanismo de defesa que mantém viva a chama da ilusão. Esta só funciona se não for consciente, pelo que conservá-la implica reprimir, se necessário através da aliança entre a irreflexão e o sarcasmo, todos os factos que a contradigam.
Não é fácil deixar o mito cair e aceitar a crueza da verdade. Muitos sócios desejam intensamente acreditar que, com uma segunda oportunidade, Rui Costa cumprirá a profecia do salvador — dando-lhes argumentos para esfregarem na cara dos adversários que o Benfica é diferente dos outros, não apenas porque é o maior, o que é inegável, mas porque transcende misteriosamente as leis da divisão do trabalho social e a cultura prosaica dos valores profissionais.
Infelizmente, o mito é o mito e a verdade é a verdade. Se quiserem regressar ao caminho das vitórias, do equilíbrio financeiro, da supremacia estratégica e da autoridade institucional, os sócios têm de se reconciliar com o facto de que Rui Costa, o maestro dos relvados e encarnação da mística, não é feito da matéria específica que faz bons presidentes. Se persistirem na ilusão, é provável que venham a pagar o mitologismo com a moeda da degenerescência. Se esse dia chegar, o Benfica deixará de ser um clube e passará a ser um culto. Isto se, entretanto, não tiver passado para as mãos oleosas de um aventureiro ou de um cleptocrata."

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