"O gene competitivo é uma criatura do Mal. Adula monstros, desperta fantasmas, não admite personagens impolutas. Ganhar, no maior dos palcos, implica um pacto com demónios e uma área aberta ao conflito. Chamemos-lhe purgatório das almas.
Deixei de acreditar há muito no triunfo dos bons rapazes. A vida já me deu provas mais do que suficientes para encerrar esse capítulo dos contos de fadas. Inofensivos, utópicos, condenados à derrota.
Penso na Argentina, nos mauzões da Argentina. Dez capangas rodeiam o Senhor Messi, protegem-no, carregam-no no andor dos intocáveis. Se o sagrado esquerdino for capaz de ser Messi em três ou quatro momentos por jogo, o troféu mundial voltará ao país de Maradona.
O Mundial é um campo de concentração para a tensão. Prende-a, asfixia-a, torna os jogos impossíveis de suportar a um coração apático. É essa atração pelo perigo que suporta as equipas mais atrevidas, mais duronas, que não temem o erro.
A adrenalina em doses excessivas, os olhos raiados de sangue. Dir-me-ão que o excesso de velocidade provoca acidentes e eu só posso acenar em concordância. Por isso vemos, de quando em vez, a careca de Zidane a bater no peito de Materazzi ou o cotovelo de Tassotti a ensanguentar o nariz de Luis Enrique. É o risco de braço dado com o descontrolo.
E Portugal? Falta isto à Seleção Nacional. Esse ADN que a coloca a salivar por sangue, que a obriga a perseguir o adversário pelas estepes do futebol mundial. Percebeu-se isso frente a Marrocos, a incapacidade de ferir no sítio certo.
Cristiano Ronaldo foi a besta maquinal capaz de esconder essa limitação da equipa durante mais de uma década. Mas essa besta humanizou-se e pena ao lado dos outros. Um dado mais para assinalar a preparação do novo capítulo da Seleção.
Se Fernando Santos fechar este ciclo, coloco três desejos em cima da mesa. Não falo ainda em nomes, mas em formas de olhar o jogo e a representação nacional.
IDEIAS: o selecionador aproximou-se da vox populi e deu às nossas gentes um estilo mais atraente, com mais posse de bola, mas esqueceu-se que essa foi imagem raras vezes vista nos últimos oito anos. Consequência: no contexto de maior pressão, Portugal não soube por onde entrar, por onde cruzar, que caminhos escolher. A seleção tem de ser um espaço ortodoxo, de ideias fixas, seja quem for o próximo selecionador. Andar ao sabor dos apetites populares é que não.
CRISTIANO: não sei se a queda abrupta de rendimento se deve somente à pré-época inexistente, aos problemas pessoais e ao ciclo da vida. São três hipóteses que ajudam a explicar o CR -7 que Portugal teve no Catar. Fim de vida na seleção? Não necessariamente. Se Cristiano fizer um esforço para perceber que os dias de super-herói fazem parte do passado, talvez possa ser útil e ajudar quem aí vem. Não é absurdo pensar nele no Euro24, mas essa é uma decisão que só ele poderá tomar. Se quiser continuar a ter um tratamento de exceção, o melhor é agradecer e dizer adeus.
COMUNICAÇÃO: a lengalenga montada no final do Portugal-Coreia foi feia. Fez-nos de estúpidos (media, adeptos, observadores) e a coisa rebentou nas mãos do próprio Ronaldo. O espaço da seleção deve ser mais aberto, o selecionador deve ter a capacidade de explicar as escolhas que faz, o secretismo anacrónico que segrega os clubes aqui parece ser ainda mais absurdo.
PS: sem Portugal, desejo que o futebol respeite o génio de Lionel Messi e que a Argentina possa voltar a ser campeã do mundo. 36 anos depois dos milagres a céu aberto perpetrados por Diego Armando Maradona em território azteca.
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