"Velhotas curvadas tecem preces fervorosas à Nossa Senhora do Silêncio, essa padroeira da voz suave e monocórdica das mentiras: “Ficaremos todos bem”. Os pássaros pararam sobre Alcácer. Deve ter sido Deus que os parou assim, plácidos e repousados, sem pios.
O Sado está parado sem saber para onde ir porque, neste tempo do medo, nem ele confia na foz. Os carros da polícia passam com altifalantes gritando: “Isto é um conselho. Fiquem em casa!” Estranho que ao abrir o microfone não se ouça primeiro um sonho roufenho a berrar “Achtung!”, tal como estranho não ter guardas de camisas pretas nas ruas com pastores alemães pela trela. Queria escrever-te uma carta falando-te das crianças que abandonaram as praças e levaram consigo bolas e bicicletas, e de como a cidade está a morrer a pouco e pouco, tão branca, tão leve que o medo nela só pode ser também branco e branca será a morte da qual estamos à espera pelas frinchas das janelas.
Dizem que é sempre a sul que fica a tristeza. Também deve ser a sul que fica o medo. E esta saudade das tuas íris negras, primeiro nos olhos, antes de chegarem a esse céu de Verlaine, tão azul e tão calmo. Escrevo-te cartas.
Velhotas curvadas tecem preces fervorosas à Nossa Senhora do Silêncio, essa padroeira da voz suave e monocórdica das mentiras: “Ficaremos todos bem”. Os pássaros pararam sobre Alcácer. Deve ter sido Deus que os parou assim, plácidos e repousados, sem pios; deve ter sido Deus que parou o desacerto do seu voo, mas não sei se foi, não acredito nele, em Deus. Não tenho outro remédio senão acreditar nos pássaros parados, em silêncio, prometendo mais medos, todos em branco.
“Estás na minha frente eu estou sozinho
E o Mundo roda na suprema translação
De um medo que cresce devagarinho
Como se o céu fosse demasiado azul.
A noite chegou.
E tu também
Talvez ela tenha afinal o teu rosto
E a tua completa dimensão do infinito
Talvez tenha a imensidão que o Tempo tem
Um sabor de chuva de sol de Agosto
E talvez sejam uma só – a noite e tu!”
Consegues ver as estrelas que aparecem uma a uma? Voltou a ser, para nós, tempo de contá-las... Uma... duas, três, o brilho mais acentuado de Vénus... Anda. Não tenhas medo do medo branco. Quatro... cinco... Eu já comecei a contar..."
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