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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

As novidades e os tolos (sobre o que se pensa a cada chegada de um novo atleta ou de um novo treinador)

"Pode não ser uma grande novidade, mas se ficar pouquíssimo tempo, tudo bem. Até a dor breve é suportável

Sobre a novidade
1. - Acabou de chegar e já é magnífico.
- Isso, sem dúvida.
- Pois.
- O problema é que ao dia de hoje, normalmente, pelas minhas contas, segue-se o dia de amanhã.
- É isso. Sempre foi.
- Sabe o que digo?
- Diga.
 - A novidade e a brevidade muito agradam.
- Sim, o que é novo, o que acabou de chegar é decididamente o mais extraordinário de sempre.
- O problema para a novidade é que existe aquela coisa antiga a que chamamos...
- Tempo?
- Tempo, exactamente.
- E a novidade com o tempo deixa de o ser.
- Pois.
- Se o mundo se suspendesse e uma novidade ficasse novidade para sempre, seria uma maravilha... para a novidade. Para o mundo não, claro.
- Pois sim.
- Todos ficariam para sempre de boca aberta em redor da novidade, fascinados.
- Isso.
- Mas há, então, essa coisa tramada chamada tempo. Que chatice!
- De qualquer maneira, uma novidade não tem sempre a mesma duração.
- É verdade.
- Uma novidade por vezes demora uma ano, por vezes só um mês, outras vezes semanas ou apenas dias.
- E no pior dos casos...
- Sim?
- Em poucas horas, ou minutos, a novidade deixa de o ser e rapidamente entra noutros estados e fases.
- Quais?
- As fases são as seguintes, passo a enumerar.
- Vamos.
- Primeiro, novidade. Dias, semanas ou meses depois, já é familiar, transforma-se em algo que já nos habituamos, e depois, em pouco tempo, fica algo insuportável: aquilo que já não podemos ver à frente.
- É novidade entusiasmante, depois é familiar, depois: já não a posso ver à frente.
- Pobres novidades!
- Sim, pobres novidades que existem no mundo em que existe também o desenrolar do tempo.
- Mas há também a brevidade.
- Outra qualidade dos atletas, dos treinadores ou das coisas em geral. Pode não ser uma grande novidade, mas se ficar pouquíssimo tempo, tudo bem.
- Sim, por exemplo, até a dor breve é suportável.
- Isso.
- Tudo o que é breve é quase adorável.
- Uma visita que vai lá a casa: se for breve, tudo bem.
- A brevidade e a novidade, duas características essenciais para provocar o entusiasmo dos outros.
- Se quer um conselho meu, excelência: seja novidade e seja breve.
- Sê novidade e apressa-te a ir para outro lado.
- Apressa-te, portanto, a ser novidade noutro lado.
- Se circular muito, vossa excelência, será novidade em sítios diferentes. Duas qualidades que, juntas, são indestrutíveis: aparecer de surpresa e ser breve.
- Uma novidade nómada, e não uma novidade sedentária.
- Uma novidade sedentária que não se mexe vai rapidamente aborrecer.
- Pelo contrário, uma novidade com o bicho carpinteiro, que não páre de circular, não vai deixar de surpreender.
- Novidade e brevidade, as duas irmãs que juntas são brilhantes.
- A mais bela dupla.

Sobre os tolos
2. - Nada impõe tanto respeito ao tolo como o silêncio; nada o anima como o responder-lhe.
- Ups.
- Que me tem a dizer a isto?
- Não lhe respondo.
- Isso não se faz.
Silêncio absoluto.
- Está morto ou é mudo. Ou está diante de um tolo.
- Isso mesmo. Diante de um tolo faz-te surdo e mudo.
- Não ouves e não respondes.
- Isso. Estratégia infalível.
- Quando um tolo te dirige a palavra, poderemos dizer: desculpe, poderemos dizer: desculpe, estou morto e, além disso, não consigo falar.
- Resultará? Ele ficará convencido?
- Sim, sempre."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

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