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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Entre o Euro(continente) e o Mar(ítimo)

"Este 5.º jogo europeu da época prova que teria sido perfeitamente possível prosseguir para os oitavos da Liga do Campeões. Fica a lição.

1. Em Leipzig, terminou o jogo e eu maldisse o fatídico minuto  92. Num ápice, passou-se da possibilidade de continuar na Champions para tal bastando uma vitória em casa contra o Zenit, para uma mais difícil possibilidade de apenas continuar na Liga Europa. É assim o futebol, em que tudo se transforma em positivo ou negativo num qualquer instante. O tal minuto em que, por exemplo, Jorge Jesus ao serviço do Benfica perdeu um título nacional e uma final europeia é o mesmo minuto que lhe permitiu festejar heroicamente a ambicionada Taça dos Libertadores sul-americana.
Este 5.º jogo europeu da época prova que teria sido perfeitamente possível prosseguir para os oitavos de final da Liga dos Campeões. Bastava ter jogado quanto foi conseguido, em grande parte do encontro, na Alemanha. Fica a lição.
Desta e de anteriores campanhas europeias do Benfica há uma conclusão que tiro: a de que numa competição altamente exigente e com uma intensidade ininterrupta, a equipa precisa de ganhar peso corporal e de choque, para juntar à capacidade técnica que existe. Por exemplo, Vinícius provou por que razão a sua presença em Leipzig foi importante. Seria, aliás, interessante conhecer uma estatística sobre a percentagem de duelos ganhos (ou melhor, perdidos) em bolas divididas neste cinco jogos já disputados, com as consequências que daí advieram.
Nas horas seguintes ao jogo, ouvi alguns protagonistas habituais da análise e comentário perorarem sobre o jogo, as suas contingências e as opções de Bruno Lage. Embora desolado, sorri de quando em vez. É que, mais uma vez, constatei quão científico é comentar e criticar as incidências de uma partida de futebol depois de ela se ter realizado. Por outras palavras, é o resultado no fim do jogo que sempre estabelece o racional (ou irracional) do comentário. Neste caso, bastaria o jogo não ter tido os minutos finais, e como seriam outros os comentários e como se tiraria o chapéu às opções do treinador. Disse-se, insistentemente, que Bruno Lage a ganhar por 2-0 num jogo decisivo e faltando poucos minutos para tudo acabar, deveria ter reforçado a defesa e o meio-campo defensivo. Compreendo, mas imagino o que é que se teria dito se, por exemplo, Jardel e Florentino tivessem entrado e o Leipzig marcasse os tais dois golos. Que o treinador teve medo, que recuou em demasia, que o Benfica deixou de existir no meio-campo contrário e se ofereceu ao adversário. Enfim, é proverbial esta compulsiva tendência para oscilar entre o bestial e a besta, já com o resultado definido e o totobola conhecido.
Ainda sobre os comentários e, em nota de rodapé (ainda que não em rodapé), acho absolutamente insólito e deslocado que, na TVI, que transmite jogos da Champions, o principal comentador (para além de antigos atletas) da única equipa que disputa esta competição, que é o Benfica, seja o comentador residente do FC Porto de todas as semanas. Com isto, não estou a desmerecer a pessoa em causa, mas seria de elementar bom-senso que se evitasse tal opção oblíqua. Pouco cuidado, para não dizer outra coisa, de quem lá manda. Também aqui não basta ser, é preciso parecer. E, apesar do esforço do comentador, nem sequer vale a pena ser politicamente correcto porque a normalidade clubista está para além do habitual pregão de «acima de tudo, sou português, e eu do clube X desejo que os rivais vençam sempre». Em geral, abomino a hipocrisia de que, muitos adeptos incondicionais de um clube grande, proclamam «com sinceridade» o desejo de um seu rival ter assinalável êxito fora do país. Há uma palavra em alemão, de difícil tradução, Schadenfreude, que exprime em sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro. Por muito que se disfarce o Schadenfreunde, mais tarde ou mais cedo ele é perceptível. E, no caso em apreço, não havia necessidade...

2. Três dias depois, o Benfica prosseguiu a sua caminhada de liderança. Bom jogo contra um Marítimo atrevido na dianteira, mas vulnerável na defesa. Seja qual for o próximo futuro, a nível nacional, os números falam por si: 12 jogos no campeonato, 11 vitórias e apenas 4 golos sofridos. Nunca é demais repetir, sobretudo para quem gosta de pôr em causa ou criticar pavlovianamente o trabalho e competência de Bruno Lage (mesmo entre os adeptos do clube) sempre que algo corre mal ou comete um erro, que o treinador encarnado atingiu na principal competição nacional 31 jogos, tendo vencido 29 (94%!), perdido 1 e empatado um outro, sendo o percurso fora de casa 100% ganhador.
No jogo de sábado, ficou à vista de todos que Carlos Vinícius é um bom jogador e só tem olhos para a baliza contrária. Marca golos com uma excelente média de jogo e se é certo que também falha, isso acontece porque, em regra, está no sítio certo para chutar. Creio que ainda haverá muita gente que tem de digerir a costumeira observação dos tais 17 milhões que custou...
Por fim, como é importante, para uma equipa tecnicista como o Benfica, ter um relvado à altura das suas exigências. Isso foi por demais evidente na estrela do novo tapete. Por isso, mais me custa perceber como é que se andou com um relvado de tufos aos saltinhos e de chuteiras presas em qualquer girândola das pernas, de que resultaram duas lesões bem prejudiciais, a do já renascido Chiquinho e a do insubstituível Rafa.

3. Terminada a fastidiosa fase de apuramento para o Campeonato Europeu de selecções, lá aconteceu um também fastidioso sorteio, onde a inovação foi a de não se saber a constituição completa dos grupos dependendo de um emaranhado de play-off. A Portugal terá calhado a fava, em parte devido ao facto de só ter ganho um dos jogos contas as únicas equipas medianas do seu grupo de apuramento (Ucrânia, uma derrota e um empate, e Sérvia, um empate e uma vitória, esta no melhor jogo da nossa Selecção). Mesmo assim, sabendo-se que a fase de grupos agora sorteada é mais para multiplicar jogos do que outra coisa, porque continua a haver a possibilidade de o terceiro classificado entre quatro selecções poder continuar na prova, creio que Portugal vai ultrapassar esta fase (não nos esqueçamos, aliás, que, felizmente, somos campeões europeus, depois de termos ficado na tal terceira posição, com 3 empates em 3 jogos e atrás da Hungria e Islândia).
Fazendo uma retrospectiva do apuramento das 24 selecções, algumas conclusões se podem tirar sobre a tonta excitação de jogos que só se fazem para entreter, fazer uns dinheiritos e possibilitar recordes de golos, presenças e estreias de jogadores seleccionados que assim aumentam o seu currículo.
Todo o calendário até agora serviu, sobretudo, para eliminar os colossos europeus, cujo objectivo nobre foi o de perderem por poucos. Assim, houve sete selecções que não ganharam sequer um jogo: Montenegro, Lituânia, Estónia, Gibraltar(!), Azerbeijão, Liechtenstein e São Marino, e que nos seus jogos totalizaram - imagine-se o entusiasmo! - 21 golos marcados e 230 sofridos. Se juntarmos outros colossos que só ganharam às atrás referidas selecções, temos mais cinco equipas: Luxemburgo (o que se disse das dificuldades de Portugal antes do jogo com eles foi caricato...), Bielorrússia, Andorra, Ilhas Feroé e a dantes temida Bulgária. No total 12 selecções com a brilhante figura de terem marcado 45 e sofrido 329 golos. Enfim, tanta jogatana de índole quase turística e estatística. É obra.
Acresce que esta fase final, por brilhante ideia de Platini, não se sabe se a troco de alguma coisa, vai ser jogada em regime itinerante entre dez cidades do Continente. Uma espécie de carrossel que vai preceder uam outra maravilhosa e proveitosa (para os do costume) competição mundial no Catar!

Contraluz
- Marca: a de Pizzi, no jogo contra o Marítimo: 250 jogos pelo Benfica, dos quais 218 como titular. Um jogador, por vezes mal-amado, que muito aprecio e que tem tido um desempenho magnífico ao serviço do clube. Não tem tiques de vedetismo, joga com inteligência, é consistente e, não sendo ponta-de-lança, marca golos com frequência.É actualmente o melhor marcador do campeonato.
- Competitivo: o segundo escalão do nosso futebol continua a ter uma intensidade competitiva que pode meças ao campeonato primodivisionário. Este ano, com a bem-vinda revelação do Sp. Farense, guia isolado, bem como do Leixões, dois clubes de grandes tradições, já no plano oposto, a Académica tem revelado um percurso muito insuficiente.
- Campeões: Actualmente somos campeões europeus de futebol, de futsal e, agora, (tri)campeões mundiais de futebol de praia. Absolutamente notável!
- Critério: Fábio Veríssimo continua no seu melhor. Desta vez atribui um golo do Vinícius a um jogador do Marítimo que se limitou a confirmar uma bola que estava a entrar na baliza. Um árbitro que gosta de dar nas vistas, quanto mais não seja pelos disparates.
- Significativo: Doze jornadas decorridas, o Vitória de Setúbal marcou apenas 4 golos (tantos quantos o Benfica sofreu), mas já tem 13 pontos (2 vitórias e sete empates)..."

Bagão Félix, in A Bola

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