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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Substituições, essas sobrevalorizadas

"Edmundo, celebrado animal nos relvados, brasileiro de talento raro para driblar e assistir, é hoje comentador, ou comentarista, como por lá se diz. Para sublinhar o mérito de Jorge Jesus na final da Libertadores, escolheu uma ideia clássica da análise no futebol: uma substituição bem-sucedida. E não foi sequer a de Gerson por Diego, que alterou de facto as dinâmicas da equipa e a face do jogo, mas em que o desgaste se antecipou à vontade do treinador. Ou seja, teve de ser, que Gerson simplesmente já não andava. Onde Edmundo viu o dedo mágico do português, agora incensado, foi na troca de Arão por Vitinho aos… 86 minutos, rigorosamente três minutos antes do golo do empate. Acontece que Vitinho não tinha feito nada de relevante nesse curto tempo, o que é normal, e nem sequer teve participação directa no triângulo mágico estabelecido entre Bruno Henrique, De Arrascaeta e Gabigol. É, todavia, o modo tradicional de avaliar um treinador a partir do momento em que a bola rola: se mexeu bem ou mal, pensando sobretudo nas três (ou quatro) hipóteses que tem para lançar jogadores a partir do banco. E se estivera a perder, a “boa” troca é sempre aquela em que sai um jogador mais defensivo, como Arão, para entrar um ofensivo, como Vitinho.
Esta forma de olhar vem de um tempo em que a estratégia dominava o jogo. Ou seja, o essencial para aferir da qualidade de um técnico relacionava-se com o talento para escolher os jogadores titulares e a astúcia para surpreender o adversário, fosse nessas escolhas iniciais ou nas mudanças que seria capaz de introduzir. Nada disto deixou de ser (muito!) relevante, pelo contrário. Não só escolher os melhores jogadores para cada partida é muito difícil e tantas vezes decisivo, como gerir bem os noventa minutos, mexendo com o jogo a partir do banco, pode ser obviamente determinante. Mas o que hoje é parte antes era o todo, no tempo em que só havia rudimentos do treino que hoje conhecemos - e essencialmente físico – e os princípios de jogo estavam tão distantes como a capacidade de medir ondas gravitacionais. Hoje, essas dimensões estão englobadas no que chamamos “plano de jogo”, com grande contributo da estratégia, que é a forma como pretendo surpreender o rival e evitar que me surpreenda. E a anteceder as opções concretas para cada jogo está sempre a definição de um modo de jogar - e de treinar esse jogar – que dará corpo a um modelo de jogo, feito de princípios e que corporiza a identidade.
Nos últimos dias, assisti também a apreciações críticas sobre Bruno Lage, porque não lançou Jardel para defender os últimos minutos na Alemanha, ou Diego Simeone, porque trocou João Félix por Vítolo. Claro que se trata de uma análise feita em ambiente de resultado. Lage mexeu mal porque estava a ganhar e empatou com o Leipzig, e Simeone mexeu mal porque estava a empatar e perdeu com o Barcelona. Não coloco sequer em causa o demérito das opções, porque é aceitável que se diga tanto que Jardel podia ter ajudado a conter a ofensiva aérea alemã como que Félix teria sempre hipótese de fazer a diferença num momento de passe ou finalização, em que é melhor que os outros. A questão é reduzir o essencial dos jogos a essa opções e a relevância do treinador a uma troca. E o que me parece é que nenhum dos resultados dependeu directamente de qualquer troca de jogadores. O Benfica não deixou de ganhar na Alemanha por causa de uma substituição, mas antes por falta de um modelo que lhe permita ser forte com os fortes , e que, naquele caso concreto, teria permitido ter mais a bola no meio campo contrário, sobretudo nos momentos em que o desgaste já arrastava para junto da baliza uma estratégia defensiva (até então executada de modo competente e rigoroso). E o Atlético de Madrid também não perdeu por ter trocado Félix por Vítolo. Perdeu porque houve Messi, claro, e Ter Stegen também, mas sobretudo porque Félix - como antes dele Jackson, Gaitan ou Óliver, para falar dos que conhecemos melhor - não está a beneficiar de um modelo que lhe permita ser quem é. Vi no Canal 11 ser apresentada uma estatística reveladora: no jogo em que mais vezes tocou na bola no interior da área contrária ao serviço do Atlético, Félix fê-lo por 4 vezes; no jogo em que o fez menos vezes no Benfica, foram as mesmas 4. E a média - de momentos em que toca na bola dentro da caixa defensiva rival - é agora de 3 por jogo quando antes era de 6. A metade e o dobro. São factos, que se acrescentam aos argumentos. Para o adepto, há sempre uma substituição melhor, sobretudo quando perde, como o jogador que faz mais falta é sempre o que não entrou ou nem sequer foi convocado. E o treinador é por regra criticado se tarda a mexer ou não esgota as substituições, como se um coelho fresco valesse sempre mais que uma lebre cansada. Antes de ser de substituições, este é um jogo de convicções, e faz mais sentido discutir estas do que aquelas.

Nota coletiva: Leicester na sombra de um Liverpool demolidor, é a outra equipa que mais brilha na Premier League deste ano. 2016 será eterno no clube, pelo título mais inesperado em muitas latitudes, mas nunca será lembrado pela qualidade de jogo. O título pode agora ser miragem, que os homens de Klopp não facilitam, mas vai ser difícil esquecer estas raposas de Brendon Rodgers. O mérito do técnico começa na escolha dos jogadores. Grandes e intensos? Não, rápidos e inteligentes. E com o talentoso sempre na base, particularmente nos pés - móveis, dinâmicos, verdadeiramente criativos - de Maddison, Tielemans, Barnes, Ayoze Perez. E até do jovem central Soyunçu, que não deixa lembrar que Maguire existiu e até faz da venda do inglês ao United talvez o melhor negócio da história do Leicester.

Nota individual: Justin Kluivert Filho de arte é a expressão dos italianos para craques que descendem de outros. Justin tem do pai Patrick os traços do rosto e os genes de talento, mas em campo é outra coisa. Bem mais baixo, só que mais rápido e criativo, mais homem que respira a partir das alas que habitante do corredor central, ele é um craque precoce na bela Roma que Paulo Fonseca constrói. E já tem mais que o talento selvagem que os 20 anos garantem, com uma compreensão do jogo que lhe permite ser agitador quase sempre, finalizador cada vez mais (5 golos em 17 jogos esta época) e equilibrador quando necessário. Um craque dos pés ao alto do seu 1,71m."

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