"Completar três décadas de vida nos tempos que correm não é fácil, diz-vos quem conseguiu cumprir tão heróico feito há pouco tempo. Os 30 são os novos 40, na medida em que a nova consciência da finitude da nossa juventude nos põe a pensar de forma mais responsável, especialmente nesta sociedade em que o "eu" normalmente interessa mais do que o "nós". Foi assim que, recentemente, passei a usar uma escova de dentes de bambu, a tentar renegar o plástico do meu quotidiano (dificilmente haverá tarefa mais difícil neste mundo), a procurar alimentos sem porcarias processadas, a tentar escolher o pão mais parecido com o dos meus avós (já repararam na quantidade de ingredientes desnecessários que leva o pão de supermercado?), etc, etc, etc.
Eu sou só uma (alguém a quem o estimado leitor já deve estar a chamar de millenial ou hipster ou esquisitinha ou coisa que o valha), mas se o meu regresso ao essencial da vida puder ajudar o planeta - e a minha saúde, já agora - nem que seja 1%, bom, então já será minimamente útil, sei lá, para os animais ou para as gerações vindouras.
Chegados a este ponto, o leitor já deve estar a pensar que me esqueci do futebol, mas tudo isto tem a ver com o futebol, porque o futebol é vida. E se eu já andava a pensar em tudo isto desde 6 de Janeiro de 2019, mais ainda pensei no sábado à noite. Isto porque, desde que se estreou como treinador do Benfica, Bruno Lage impressiona pelo encanto simplista com que desempenha as suas funções. Primeiro, vai sempre para os jogos, sejam eles quais forem, de fato de treino, o que me agrada particularmente, desculpem dizer-vos: mas que sentido faz um homem do desporto estar num campo de futebol de fato e gravata e sapato engraxado? Se isto é moderno, deixem-me ser antiga.
Depois, vai à conferências de imprensa de forma descontraída, falar daquilo que mais gosta: futebol (e, particularmente, treino). Mais: entra em campo quando chega aos estádios simplesmente para apreciar a envolvência e o ambiente criado pelos adeptos, como se fosse uma criança maravilhada com o que vê, e não há nada como apreciar o que nos rodeia, nestes tempos modernos em que olhamos mas não vemos.
E, por fim, sábado à noite, na flash interview pós vitória no Dragão, justificou o êxito da equipa assim: "É no treino e nos jogadores, foi isso que acabei de dizer-lhes. Agradecer-lhes pela atitude mostrada no treino, em querer formar esta equipa que hoje se viu. Agradecer-lhes, porque de alguma forma estão a fazer de mim treinador. Tenho dito que o mérito é deles e esta caminhada de dois meses só tem sido realizada pelo trabalho que eles colocam em campo."
Isto, em suma, é apenas uma coisa: voltar ao essencial do futebol. E o que é o essencial no futebol? Simples: os jogadores, a bola, o relvado (não, não são os "mestres da táctica", ainda que, obviamente, os treinadores tenham uma importância muito alargada no sucesso de uma equipa). Como teoriza - e bem - Juanma Lillo, um dos mentores de Pep Guardiola, sobre o futebol moderno: “Hoje fala-se de tudo menos do próprio jogo. Onde está a paixão de um adepto que nem pode dizer o 11 da equipa numa época, porque os jogadores estão sempre a mudar? Antes, o Maradona marcava um golo sozinho, era um herói. Hoje, se o Messi marca um golo há cinco gajos que levantam logo a mão: o dietista diz que foi da refeição que preparou, o podologista diz que lhe cortou as unhas, o preparador físico diz que foi dos sprints que treinaram...”
Parece simples. E, às vezes, até é. Como foi o clássico de sábado à noite, em que o medo de perder (dos treinadores?), que habitualmente se sobrepõe a tudo o resto nestes jogos, deu lugar à vontade e à confiança (dos jogadores?) em ganhar. É voltar ao essencial, com a Liga portuguesa ao rubro: o Benfica é líder, com 59 pontos, e o FC Porto agora segue atrás, com 57 pontos. Faltam 10 jogos. Resta-nos apreciar o espectáculo.
(...)"
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