"Há 30 anos quase não havia futebol na televisão. Agora quase não há outra coisa. Naquela altura era preciso ouvir os relatos na rádio. Agora há canais de televisão que transmitem o jogo e outros que transmitem um jornalista a ver o jogo e a relatá-lo. Em breve, aposto, teremos outro canal a fazer o relato do canal que está a fazer o relato. Imagino que uma estação de baixo orçamento, que não tenha dinheiro para subscrever o canal que está a dar o jogo, passe a usar esta estratégia em breve: fazer o relato do relato. “Neste momento, o jornalista que está a ver o jogo diz que o Benfica está a atacar. Parece que a bola foi para fora. Diz que agora é pontapé de baliza.” É como se um vizinho nosso tivesse um vizinho que tem um vizinho que o deixa ver o jogo.
E há ainda os comentários ao futebol, os comentários aos comentários, as pessoas que assinalam o excesso de comentários, e as que, como eu, além de observarem tudo isto, ainda se observam a si mesmas a observar, imaginando assim obter algum tipo de salvação. Quando eu tinha 15 anos os jogos não eram transmitidos, salvo raríssimas excepções. Havia o Domingo Desportivo, que dava o resumo dos melhores momentos e às vezes nem isso porque, “por razões a que somos alheios, só foi possível captar os últimos instantes deste lance”. Agora vemos todos os jogos da primeira divisão, vários da segunda e alguns treinos. Além dos campeonatos estrangeiros e das competições internacionais. Parece que, neste momento, para ter acesso a todos os jogos, é preciso pagar mais ou menos 50 euros por mês, ou seja, 600 euros por ano. Há o campeonato inglês, que é o melhor do mundo. O espanhol, que é o segundo melhor. O italiano, onde joga Cristiano Ronaldo. O francês, que tem Leonardo Jardim. Entretanto, Paulo Sousa e Vítor Pereira estão na China. E ainda falta a Liga dos Campeões, claro. Os campeonatos mais obscuros foram ganhando os chamados “factores de interesse”. Um dos “factores de interesse” mais comuns é a presença de “jogadores bem conhecidos do futebol português”. Que “pontificam” em certas equipas. Assistir ao jogo da equipa chinesa em que “pontifica” um jogador “bem conhecido do futebol português” porque “actuou” no Estoril entre 2013 e 2015 é, de repente, uma absoluta necessidade. Não é ironia, estou mesmo curioso por saber o que fará Sebá ao serviço do Chongqing Lifan, clube em que pontifica. Já estou a poupar dinheiro para subscrever todos os canais."
Ricardo Araújo Pereira
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