"Os quatro golos ao Sporting e o prémio de campeão que não dava para a gabardina; Da bofetada do treinador à fome
1. Estava a caminho dos 22 anos quando, em 1939, Vicente de Melo o trouxe do Angústias (clube de que fora presidente quando andou como médico e gestor pelos Açores) - e o Benfica deu por ele 2500 escudos. (seriam, agora, 2275 euros - e a Casa Africana vendia, então, fatos de banho desde 22 escudos e 50 centavos - que ainda podiam ser como depois deixaram de poder ser: terem pernas nuas e mais e tecido, a tapá-las, a menos...)
2. Estreou-se contra o Belenenses num jogo que o Benfica perdeu nas Amoreiras por 4-2 (um dos golos foi dele). Tratavam-no por Semilhas ou Marreco - ficou a ganhar o que ganhava quem estivesse na primeira categoria: 300 escudos por mês e mais 80 escudos por vitória (e um rádio Garod custava 1750 escudos).
3. O primeiro título de campeão conquistou-o em 1941/42 - sobretudo, graças a vitória no Lumiar ante o Sporting. (Fez um golo, um golo fez Nelo Barros - e os outros dois couberam a Francisco Rodrigues que o Benfica fora buscar ao V. Setúbal para o lugar de Espírito Santo - que, doente, continuava impedido de jogar).
4. O seu segundo campeonato foi o de 1942/43 - e valeu a cada jogador do Benfica bónus de 500 escudos. (500 escudos equivaleriam hoje a 300 euros - não chegavam para comprar gabardina de lã que os Armazéns do Chiado pusera em saldo a 850 escudos). Nesse ano, um golo seu ao Sporting pôs o Benfica na final da Taça - venceu-a por 5-1 ao V. Setúbal (na primeira vez que o clube da II Divisão lá chegou).
5. Chamaram-lhe Gasogénio - o cognome deram-lhe porque, quando os outros já não o tinham - nele ainda havia fôlego para espalhar pelo campo.
6. Do campeonato de Lisboa de 1943/44 levou o jogo que lhe deu a imortalidade: de cada vez que o Sporting fazia um golo, ele arranjava forma de fazer mais um - fez quatro (e o Benfica venceu por 5-4).
7. Nessa época da Taça ganha ao Estoril com 8-0 na final, campeão foi o Sporting - em Coimbra viveu peripécia com história: Faustino parou-o com patada que o deixou de cangalhas. Não se levantou de pronto, como era hábito, deixou-se ficar no pelado a contorcer-se. José Maria Antunes pegou nele pelos pés., Faustino ergue-o pelos braços - e tentaram levá-lo de arrasto para a linha de cabeceira. De súbito, ouviu-se um grito, o árbitro expulsou-o a ele e ao Faustino - e o caminho do balneário, o jogador da Académica mostrou já a arroxearem-se, as marcas da mordidela que ele lhe dera. (Manuel da Costa contou-o: «Eu bem vi como o Faustino lhe torcia os pés... Se não lhe mordesse ficava com os calcanhares para a frente»). Dias depois chegou de Coimbra à sede do Benfica encomenda postal em seu nome. Entregaram-lha, abria-a e dentro da caixa estava, provocador, um açaimo. Por causa do castigo, não fez os três últimos jogos do campeonato, sem ele o Benfica perdeu com o Sporting e o Olhanense, foi-se o título.
8. A campeão voltou em 1944/45. O melhor marcador do Benfica foi ele. Pediu aumento, abriu-se a confusão e Biri o esbofeteou-o em público. Exigiu reparação - a direcção de Félix Bermudes limitou-se a repreender o treinador. Reagiu acre - e de castigo deixaram-no sem dinheiro para comida e quarto - com o argumento de que... «não sabia assinar os recibos».
9. Vicente de Melo, que já fundara A Bola, não permitiu mais humilhações - e procurou negociá-lo para Braga. Bermudes replicou que também ele, o dr. Vicente, o deixara, uma vez, a pão e água - e negou-o: «De facto, quando era tesoureiro do Benfica, multei-o em 1000 escudos por ter faltado às aulas de professor que arranjara para ensinar jogadores do Benfica a ler e escrever - e esses 1000 escudos não incidiram sobre os salários, mas sim sobre o prémio de vitória da Taça de Portugal».
10. Essa Taça fora a que o Benfica ganhara ao Belenenses em 1940, a primeira da história do clube, a sua primeira. A quezília fechou-se com o Benfica a aceitar os 1500 escudos mensais que o SC Braga lhe oferecera - mas Biri atirou-o, vingativo, para as reservas e, em meados de 1946, foi para V. Guimarães. Passou pelo Elvas - e voltou a Lisboa, empregando-se como fiel de armazém."
António Simões, in A Bola
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