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domingo, 27 de maio de 2018

O futebol, soberano da República

"A promiscuidade entre o futebol e a política ficou exposta, como raramente aconteceu, com o recente e deplorável episódio do assalto de um grupo de ‘mascarados’ ao centro de estágio do Sporting em Alcochete, maltratando jogadores e técnicos.

Dias a fio, os mais altos representantes da Nação sentiram-se ‘obrigados’ a falar sobre o assunto, enquanto as televisões dedicavam horas de ‘tempo de antena’ ao ‘amor’ clubista de diferentes actores, com um fervor a beirar o patológico.
Desfilaram pelos estúdios políticos de quase todos os credos, advogados e médicos com nome na praça, além de intelectuais e académicos que nunca falham nestas coisas, e do habitual corpo de comentadores residentes – que alimentam e atiçam rivalidades nas intermináveis emissões onde o futebol domina, como poderoso anestésico social.
Entre a palavra ponderada e a histeria houve de tudo, como se estivesse em causa algum problema grave para a Pátria. A chamada imprensa de referência apressou-se a competir com a desportiva, em largueza de títulos e de espaço. O controverso presidente leonino conquistou o estatuto de figura de capa em diários e semanários, com um relevo que nunca tivera antes.
A final da Taça, um clássico do Jamor, foi antecedida de um ‘suspense’ digno de Hitchcock, onde as principais figuras do Estado se interrogavam sobre se deviam ou não comparecer no Estádio Nacional. Convenhamos que se exagerou.
Senão, vejamos: António Costa tirou logo da cartola uma Autoridade Nacional contra a Violência no Desporto, porque «o futebol é algo suficientemente importante para todos para adoptarmos as medidas necessárias para o proteger de quem o quer destruir». Bonito.
O pior é que, quando era ministro em 2007, extinguiu o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto, cuja missão se assemelhava à do novo órgão anunciado, ou seja, «promover e coordenar a adopção de medidas de combate às manifestações de violência associadas ao desporto, bem como avaliar a sua execução». E nunca mais se lembrou disso.
Perguntar-se-á para que servirá, então, mais uma Autoridade Nacional dotada de «recursos e não apenas de competências», enquanto falha a coragem política para interditar as claques, que são ninhos de violência, e para fazer reverter para os clubes os custos reais dos dispositivos de segurança montados nos perímetros dos estádios nos dias dos jogos.
Tenciona o primeiro-ministro em exercício criar mais um corpo de polícia ‘especializado’ na segurança do futebol? Ou deseja simplesmente lançar outra estrutura para dar emprego a uns quantos boys insaciáveis, como já aconteceu nos quadros da Protecção Civil, com os resultados que se conhecem?
A ‘ajudar à festa’, Ferro Rodrigues entendeu que poderia «falar na qualidade de presidente da Assembleia da República» sobre os incidentes de Alcochete, exigindo às autoridades que «investiguem quem faz do Sporting a miséria a que hoje assistimos». Esqueceu-se, porém, do distanciamento e da reserva a que está obrigado enquanto presidir à Assembleia da República, para o que não conta ser sócio antigo do clube em causa.
Finalmente, Marcelo Rebelo de Sousa sentiu-se «vexado pela imagem projectada por Portugal no mundo», e pela «gravidade do que aconteceu». Foi excessivo.
Embalado pelas suas paixões desportivas – em particular, com o futebol e o ténis – o Presidente atribuiu aos actos de vandalismo no centro de estágios uma dimensão desproporcionada.
Permitiu, depois, que se especulasse sobre se estaria ou não no Estádio Nacional para entregar a taça ao vencedor, o que acabou por acontecer, como é de tradição. Ora o Presidente da República não tem que alimentar rumores. Decide e anuncia a sua decisão.
Com tantos passos em falso, o país adormeceu e acordou dias seguidos sob o efeito de um dilúvio de suspeitas, de contradições e de bravatas, que fecharam a época de futebol com um travo amargo de derrota para aqueles que ainda acreditam no desporto como escola de virtudes.
Em contrapartida, graças à crise do Sporting, eclipsaram-se do espaço público aqueles temas verdadeiramente incómodos para o poder político, envolvendo suspeitas de corrupção lesivas da imagem de Portugal no exterior, com um ex-primeiro-ministro e ex-governantes socialistas a contas com a Justiça.
Moral da história: a ‘roupa suja’ ficou por conta da ‘lavandaria’ de Alvalade. O futebol tornou-se soberano na República. Com os populismos das ‘tribos’ a vicejar…
(...)"

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