"Há dias, no rescaldo de mais um prémio FIFA - o quinto – para Cristiano Ronaldo, assisti a uma interessante discussão num dos muitos canais de televisão que, no Brasil, se dedicam, com a convicção e desvelo de um jovem missionário, à sublime tarefa de discorrer sem fim e sem consequência sobre o prolixo e tautológico mundo da bola.
Basicamente, o que se discutia era o leque hierárquico dos principais candidatos à vitória no próximo mundial na Rússia, apresentando-se, segundo opinião unânime dos comentadores em estúdio (aqui no Brasil dizem comentaristas – e ainda há quem invoque o critério da uniformidade linguística para justificar a aberração do chamado acordo ortográfico!) ,apresentando-se, dizia, a Alemanha como superfavorito, isto é, num patamar destacado, sem rival à altura. A seguir, num plano mais apertado, surgiriam o Brasil, a Argentina, a Espanha, a França, a Inglaterra … e Portugal? Onde colocar Portugal, campeão europeu em título? Um dos presentes não se cansou de chamar à atenção para Portugal que, com esta equipa, bem que poderá intrometer-se na discussão pelo ceptro do futebol mundial.
E a discussão continuava acesa e, reconheço, bastante interessante: que Portugal, não sendo uma grande potência do futebol, como o são, por exemplo, o Brasil, a Argentina, a Alemanha, a Espanha, a Itália ou a França, vem sendo, de há cerca de duas décadas, um assíduo comensal das grandes competições internacionais, com algumas honrosas classificações quer em campeonatos do mundo quer a nível europeu, tendo culminado com o título de campeão da Europa em 2016, em França, onde já estivera às portas do céu na década de oitenta. E diziam mais os comentadores, sobretudo um deles ( não sei, mas é provável que seja de proveniência lusa, quem sabe se das Beiras, o sangue que lhe alimenta a vivacidade e a perspicácia): que a selecção portuguesa é uma boa equipa e que tem revelado uma maturidade apreciável, ao ser capaz de alcançar os seus objectivos mesmo sem o ocasional contributo do seu melhor jogador, Cristiano Ronaldo. E que tal autonomia técnico-táctica da equipa faz dela uma adversário muito difícil de bater.
Em resumo, Portugal não é um dos principais favoritos, mas convém estar de olho nestes descendentes de Viriato: mesmo com armas menos sofisticadas, são capazes de surpreender os poderosos – como bem provou, em 14 de Agosto de 1385 Dom Nuno Álvares Pereira, o São Nuno de Santa Maria, no famoso quadrado de São Jorge, nas cercanias de Aljubarrota.
Este debate a que assisti por mero acaso teve o condão de me pôr a reflectir um pouco sobre o actual estatuto do nosso país no contexto internacional do desporto-rei.
Desde logo, os factos: não há dúvida que, com a geração de Figo, Rui Costa, primeiro, e do Cristiano, Nani, Quaresma, depois, Portugal se tornou cliente habitual das grandes competições internacionais, tendo culminado com a recente, inédita e honrosa participação na Taça das Confederações. E com os dois Silva, André e Bernardo, Renato e mais alguns que se acotovelam à porta de entrada, o futuro desportivo da nossa representação parece estar assegurado.
Mas Portugal é ou não uma potência futebolística? Não. Claramente não. E como poderia sê-lo com tão flagrante desequilíbrio na sua balança comercial? Portugal exporta produtos de primeira e importa produtos de segunda, quando não de terceira categoria. Só com uma efectiva capacidade de retenção dentro de suas fronteiras dos seus principais talentos (acolhendo, claro está, irresistíveis oportunidades), o país se poderia tornar numa grande potência – que só com outra extensão territorial, com milhões de praticantes respaldada por uma economia robusta poderia almejar sê-lo.
Portugal tem, contudo, alguns trunfos preciosos que o tornam merecedor da curiosidade, da cobiça e do respeito internacionais: o português, neste seu jeito meio mestiço de ser, tem uma natural aptidão para o afago da bola com os pés. Portugal é uma região demarcada com certificação de qualidade que torna o produto futebolístico português (jogadores, técnicos e, ultimamente, até administradores) particularmente apetecido pelo mercado internacional, designadamente pelas melhores ligas do Velho Continente.
Apesar das limitações congénitas e estruturais, um objectivo há que, uma vez alcançado, poderá consolidar esta nossa honrosa candidatura a uma certa grandeza: tornar a Liga Portuguesa mais competitiva e atractiva – assim se produziria o efeito-cadinho que forjaria um jogador português mais resiliente e mais apto para os confrontos decisivos.
O exemplo do queijo da Serra que nos sirva de inspiração: zona demarcada estricta, mas com qualidade garantida – o queijo, esse é simplesmente o melhor do mundo!
Outro exemplo: o vinho do Porto que está associado à nossa matriz fundacional: Portucale (Calos=belo), ou seja, o vinho que era desembarcado e embarcado no Belo Porto: belo e saboroso, este vinho!
Enfim, Portugal não é nem pode ser uma grande potência futebolística, mas Portugal tem, e pode continuar a ter uma grande selecção.
E, para remate, um desafio: não será possível Portugal ter também grandes e competitivas equipas a nível de clube? Federação e Liga que respondam. Cabe-lhes, juntamente com os clubes, provar que sim.
Afinal e bem vistas as coisas, já fomos grandes, mas fomo-lo sem copiar os cânones aritméticos de uma grandeza oficial – sempre soubemos sê-lo à nossa maneira.
Que o possamos ser uma vez mais – nem que seja na arte de usar os pés!"
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