"A imprensa nacional descobriu com estupor e indignação que no estrangeiro - e apenas no estrangeiro - há compadrios no que respeita à nomeação dos árbitros...
O que é bom nestas coisas dos Europeus e dos Mundiais é que acabamos sempre por conhecer melhor, mais profundamente, muita gente que só conhecíamos de vista. Refiro-me a jogadores de futebol, evidentemente.
Por exemplo, o croata Luka Modric, um médio excepcional. Vendo-o jogar por três vezes e desconhecendo ainda o noticiado interesse de Ferguson em Aimar - compreendo-o perfeitamente, sir Alex... - logo lhe achei qualidades para substituir pablito no Benfica.
Modric encaixava mesmo bem no Benfica, pensei.
E é também uma das coisas boas destas grandes competições internacionais darem-nos, por breves instantes que seja, a ilusão de que, um dia, alguns daqueles artistas poderiam aterrar nos nossos clubes.
Sendo do Benfica, admito que fui bem habituada a essas situações: vi a nossa selecção jogar durante anos e anos com uma maioria de jogadores do Benfica. E jogadores mesmo do Benfica. Não se tratavam de jogadores formados no Benfica e exportados ainda de tenra idade para lá da fronteira.
Vi depois, quando a legislação passou a permitir e a alargar o número de estrangeiros nas equipas nacionais, o Benfica jogar com duplas de centrais do Brasil - Mozer e Aldair, Mozer e Ricardo Gomes - e vi o Benfica jogar com os melhores jogadores suecos do seu tempo - Schwarz, Thern, Magnusson.
Nada me impede, portanto de achar estas coisas possíveis e de me deleitar pensando em como Luka Modric, que joga no Tottenham, encaixaria na perfeição no Benfica.
Mas rapidamente uma pessoa cai num caldeirão de realidade.
«Modric encaixa perfeitamente no Real Madrid», disse, no princípio desta semana, um outro internacional croata, já retirado há uns bons anos, chamado Davor Suker. «Modric é um médio de muita qualidade, tem um grande talento e no jogo contra a Espanha mostrou que encaixa no Real», reforçou Suker e sua opinião.
Pronto. Já percebi que nunca vai encaixar no Benfica.
PIRLO também encaixava muito bem no Benfica. Tem 33 anos, isto é, a idade justa para substituir Aima, se Aimar foi para o Manchester United, como dizem os jornais, ou se regressar à Argentina. Devo confessar que durante alguns anos embirrei com Andrea Pilro por via da simpatia que tive e tenho e terei por Rui Costa.
Provavelmente, os dois até são bons amigos, jogaram juntos no AC Milan. Mas quando jogava Pilro muitas vezes era Rui Costa quem se sentava no banco de suplentes e, só por esta pequena razão, ganhei uma ligeira antipatia ao jogador italiano.
Na verdade, nem o conhecia. Apenas de vista, o que é manifestamente pouco para formar opinões.
Conheci, finalmente, Pilro no domingo à noite por ocasião do Inglaterra-Itália. E fiz as pazes com Pirlo assim que o vi virar psicologicamente a favor da Itália a cena do desempate por grandes penalidades, que começou tão bem para a Inglaterra. Foi de campeão. O descaramento com que cobrou o pontapé que lhe coube, depois do falhanço de um colega. Montolivo, é digno de um mestre da agitação e propaganda.
A bola lá fez o efeito subtil que Andrea Pilro lhe quis dar e Joe Hart viu-a passar por cima do seu corpo estirado, mas não chegou lá. Pirlo, sabendo que a Itália estava em desvantagem, apostou tudo num gesto artístico-terrorista que deixou os ingleses em estado de choque, sem capacidade de reacção.
Depois, Ashley Young, ainda a tremer pelo que viu fazer ao italiano, encaminhou-se para a bola, olhou para a baliza onde estava Buffon e, sem saber se devia imitar Pirlo ou se devia, simplesmente, chutar com força e de olhos fechados, optou por chutar com força e de olhos fechados e atirou por cima.
A Itália acabou por ganhar nas grandes penalidades e não foi por acaso. Ouçamos Pirlo: «Era mais fácil marcar fazendo cair o guarda-redes. Quis também colocar um pouco de pressão sobre os Ingleses», disse.
Um «pouco» de pressão?
Pirlo pode ser exagerado a marcar penalties mas não é nada exagerado com as palavras. Encaixava perfeitamente no Benfica.
O presidente do FC Porto foi a Varsóvia assistir ao jogo de Portugal com a República Checa, elegeu João Moutinho como «a grande estrela destes quatro jogos» e afiançou que «não lhe passa pela cabeça» ver Moutinho sair do FC Porto no fim do Europeu.
Há dirigentes assim, que se podem dar a estes luxos intelectuais e financeiros: começam por fazer crescer o valor da mercadoria e depois dizem que não está à venda.
Moutinho é, sem dúvida, um excelente jogador e se está bem e feliz no FC Porto, deixá-lo estar. O dinheiro também não faz falta ao FC Porto.
No entanto, seria muito bom para o Sporting que Pinto da Costa vendesse rapidamente João Moutinho enquanto o jogador está em alta numa grande competição internacional. De acordo com o que foi noticiado, quando o Sporting vendeu Moutinho ao FC Porto, ficou resguardado um benefício hipotético para Alvalade no caso de o FC Porto vir, um dia a vender, o jogador a um terceiro clube.
E quem sabe se com a venda de Moutinho, agora, não faria o Sporting melhor negócio, indirectamente, do que fez com a venda de João Pereira, antes do Europeu, directamente para o Valência?
É esta a realidade: para fazer render os seus jogadores, o Sporting fica sempre melhor se contar com a colaboração do presidente do FC Porto. É que é logo outro encaixe.
UM jogador que encaixa muito bem no Benfica - e que já lá está - é, precisamente, Javí Garcia que ficou fora das escolhas de Vicente del Bosque, embora tenha jogado um bocadinho no último amigável de Espanha antes de partida para o Leste europeu.
Portanto com Javí Garcia não se dá aquele fenómeno singular e sazonal de imaginar como seria se jogasse no Benfica. Já joga, felizmente.
Tudo isto para dizer que, até ao momento, as piores notícias do defeso e do mercado de Verão são as que, a espaços, nos vão sugerindo, melhor, ameaçando, que há clubes interessados no médio espanhol e que o negócio se pode vir a fazer, acima ou abaixo da cláusula de rescisão, dependendo de vários factores.
É que Javí Garcia encaixa no Benfica na perfeição. Parece nascido e criado naquele prédio velho da Rua Jardim do Regedor que durante décadas foi a sede do Benfica no coração de Lisboa.
Como jogador de bola não há nada a apontar-lhe. Como adepto do Benfica está entre os melhores e os mais qualificados, ainda que seja uma sinergia recente mas sempre em polvorosa.
Javí Garcia está de férias, muito merecidas, e através das redes sociais tem vindo a festejar a conquista dos títulos de futsal, de hóquei em patins e de basquetebol e até já pediu desculpa aos benfiquistas por ter usado uma toalha de praia com um lagarto estampado...
Era tão bom que não o desencaixassem do Benfica.
NA segunda-feira, a UEFA nomeou o turco Cuneyt Çakir para dirigir o Portugal - Espanha e na terça-feira toda a imprensa fez grande alarido com a decisão da UEFA, obviamente para nos tramar. É garantido que o árbitro, sendo turco, vem mesmo a calhar para as pretensões dos dois homens que mandam na arbitragem europeia, o espanhol Angel Vilar e um outro turco, um tal Senes Erzik, duas raposas velhas do Comité Executivo da UEFA onde ambos ocupam cadeiras - lado a lado - há mais de vinte anos.
Enfim, são todos muito amigos e venerandos dos desejos de uns e de outros. É o que se depreende.
Conclusão: já fomos. O jogo ainda não tinha coemçado e o nosso fado já tinha sido traçado. Bandidos!
Bandidos do estrangeiro, esclareça-se, porque no nosso país não há coisas destas e se houvesse teríamos uma imprensa independente, frontal, corajosa e ágil no raciocínio para desmontar semelhantes tramoias perante o grande público.
Só em Portugal é que, de facto, nunca há nomeações polémicas de árbitros, nem dirigentes mal-intencionados, nem compadrios que mereçam ser desvendados, nem árbitros sugestionáveis, nem jogos de poder, nem outras malandrices.
Pelo menos é o que parece porque nunca foi vista tanta indignação da imprensa com a nomeação de um árbitro dos nossos para os jogos dos nossos.
Ainda bem. É sinal que é tudo boa gente.
ISTO da Selecção faz descambar para a breguice até as pessoas mais insuspeitas.
O árbitro turco, afinal, foi impecável. Fez o seu trabalhinho como devia ser. A Selecção portuguesa também esteve bem sobretudo se, olhando para todos os jogadores em campo, a considerarmos como uma espécie de Real Madrid B. Com Ronaldo, Coentrão e Pepe sempre em grande e os companheiros, nuns patamares abaixo, a acompanhar bem os melhores jogadores da equipa. Nas grandes penalidades é que a coisa não correu bem. Mas foi uma bonita aventura."
Leonor Pinhão, in A Bola