"E de repente, quando uma série de equipas da primeira liga são eliminadas por outras tantas do terceiro escalão, vamos em busca das razões que o explicam. Duas são rapidamente apontadas: a perda de capacidade de investimento dos emblemas do principal campeonato ao longo dos últimos anos e a qualidade acrescida com que se trabalha hoje nas divisões inferiores. E se a última é verdadeira, com claro aumento de competitividade também garantido pelo modelo de sucesso que tem sido a Liga 3, a primeira é não só profundamente discutível (e até falsa, quanto aos primeiros da tabela) como só por manifesta falta de pudor pode ser invocada – como bem reconheceu Rúben Amorim após a humilhante derrota com o Varzim –, já que não há um mínimo de comparação possível entre a qualidade individual disponível (até no banco!) de Sporting, Boavista, Chaves, Paços de Ferreira, Portimonense, Santa Clara ou Marítimo e qualquer dos opositores que defrontaram e com quem perderam. Naturalmente, cada jogo é um jogo e toda a generalização é perigosa, mas há um traço essencial que não pode ser ignorado. E tem sido. Falo da qualidade de jogo, o elefante no meio da sala que não se discute, seja por facilitismo ou ignorância.
O caminho mais fácil é sempre o do mensurável e por isso o debate sobre a evolução do jogo – em Portugal mas não só - tem sido lançado em redor de dois temas: a participação do VAR e, mais recentemente, o tempo útil de jogo. Sempre o que se pode medir, sejam os centímetros do fora de jogo ou os minutos de tempo perdido. O VAR, que ainda acredito ter mais virtudes que problemas, nasceu para proteger uma classe – a dos árbitros – mas enrolou-os num emaranhado em que até os especialistas divergem permanentemente, com atualizações de interpretações que transformaram a análise de uma mão na bola ou bola na mão numa tese de doutoramento. Quantos de nós hoje sabem, efetivamente, se deve ser marcado penalti quando um defesa é simplesmente atingido pela bola num dos membros superiores? E é diferente se for no avançado? Ou nesse caso mantém-se o absurdo de ser sempre falta, mesmo perante um toque totalmente inadvertido e inevitável? Às vezes é preciso lembrar que boa parte do sucesso de futebol se deveu à simplicidade das suas leis, que qualquer criança pode aprender a partir dos 4 anos. Além de que o mais importante do jogo não é cada decisão do árbitro, mas o que acontece entre elas, o jogo ele mesmo. Do mesmo modo, o tempo útil – que faz sentido discutir – só é útil de facto se as equipas quiserem jogar, seja antes ou após os 90 minutos. Muitas vezes a qualidade é tão má que só há compensações de tempo… inútil.
Toni Kroos, que responde como joga, com inteligência acima da média, respondeu há dias a um questionário publicado pelo El País, a propósito do futuro do jogo “Se penso nos próximos 10, 15 anos, vejo-os com preocupação. Os clubes estão em busca de jogadores de outro perfil. Perguntam: É veloz? É grande? É forte? E só depois perguntam: sabe tocar na bola?”. O problema é o mesmo: a quantidade, o que se pode medir e transformar em gráficos, tem anulado o debate sobre a qualidade. Ou a falta dela. Não se avança sem discutir mais o jogo, os modelos táticos e sobretudo as intenções. Quem não valoriza um futebol positivo, de iniciativa, não pode aplicá-lo sem mais, só porque naquele dia dava jeito. Quantas equipas em Portugal apostam verdadeiramente no processo ofensivo e quantas demonstram qualidade efetiva nos momentos com bola? Os quatro mais ricos, claro, mesmo se com variantes óbvias - e mau seria que assim não fosse, tal a superioridade de argumentos - e quantos mais? Alguma coisa no Estoril, no Chaves, ainda no Vizela, embora menos audaz que antes. E o resto? A esmagadora maioria organiza-se atrás e sai rápido para o contra-ataque. A competência no processo defensivo é naturalmente diversa, nalguns casos até muito elogiável, mas o perfil de jogo repete-se. Um dia há Taça e é o adversário que se organiza atrás para sair rápido. E aí as respostas treinadas não respondem às novas perguntas que o jogo coloca. Some-se a isso alguma rotação de jogadores (mais homens com menos ritmo) e um natural relaxamento frente aos teoricamente mais frágeis e acontece taça, como se diz desde que me lembro. Não se negue nesses momentos o mérito dos “pequenos”, que por uma vez ganham, mas anote-se o ainda maior demérito das equipas “maiores”, que inesperadamente perdem. Foram oito, só desta vez. Dá que pensar."
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