"«Nos Estados Unidos, a Remington, antes da máquina de escrever, produzia apenas armas. Uma avanço, pois, da civilização»
Teclados para mão só
1. O rival do teclado Qwerty - teclado de que falámos na semana passada - foi, e é, o teclado Dvorak, desenvolvido pelos designers August Dvorak (não confundir com o compositor) e William Dealey em 1920. Pensado com todo o cuidado, ainda acentuava mais a importância do inglês. Estudos ergonómicos mostram que, quem escreva em inglês, neste teclado Dvorak, faz «mover os seus dedos menos 42% do que moveria num teclado Qwerty». E é interessante isto, falar-se do movimento dos dedos como se, ao escrever, alguém percorresse um itinerário, uma caminhada, exactamente como fazem os pés. E sim, certamente um sedentário de pés e pernas pode mover-se a grande velocidade nos dedos quando escreve. Seria interessante, aliás, contar as pulsações cardíacas e vermos se também aqui há uma distinção entre escrever pouco tempo e rápido e escrever em longas distâncias percorridas pelos dedos. Uma escrita de resistência: muito tempo; e uma escrita de velocidade: pouco tempo, muito rápido.
Diga-se que o teclado Dvorak tem aplicações específicas ao francês e a outras línguas (ao português também, embora não perfeito) e, talvez o mais interessante, é que oferece ainda teclados para quem tem apenas uma só mão. Este teclados concentram todas as letras mais usadas numa língua de um lado - o lado direito ou esquerdo - de acordo com a mão que se perdeu; enquanto as letras menos usadas vão para um canto, digamos assim - vão para o lado oposto da única mão que escreve. Imagem forte e bonita ao mesmo tempo: esta concentração das letras essenciais de uma língua num único lado do teclado.
Letras no espaço
2. Pensar também que o teclado por funcionar para alguém que se vá esquecendo das letras; alguém que perca a memória alfabética de algumas letras. Para que me servia o A? Em que é que na minha vida utilizava o B? Perder a noção das letras é voltar a vê-las como desenhos. O B para o desmemoriado dessa letras, é um desenho, composto de um traço vertical e de duas pequenas bossas, uma por cima da outra: B B B.
Um alzheimer - alfabético (seria importante investigar se existe esta particularidade na doença): alguém que se vai esquecendo das letras, de algumas letras, como outras pessoas se esquecem de nomes, datas, acontecimentos ou até, terrivelmente, de pessoas próximas. As letras no espaço de um teclado existem fisicamente fora da cabeça de quem escreve. E podem ser vistas como um auxiliar de memória.
Escrita à mão
3. Há, então, esta diferença essencial entre letras no espaço (no teclado do computador) e as letras no tempo e na tinta (na escrita à mão).
Curioso neste ponto pensar na escrita à mão; e pensar que as mãos, neste caso a mão única, quando escrevi directamente no papel branco, não precisa de procurar as letras algures num espaço exterior, num plano, numa espécie de sistema de linhas e colunas, quadriculado de batalha naval sem barcos, mas com letras - o teclado.
Este caminhar exterior das mãos no teclado, esta procura e movimentação de dedos não existe na escrita à mão. Na escrita à mão, as letras estão na caneta, na tinta - e não no exterior. Uma tinta que tem lá dentro um alfabeto inteiro - e tem a potência de repetição desse alfabeto até ao limite - até que a tinta seque ou se gaste. Pensando desta maneira, a escrita com caneta seria, teoricamente, mais rápida: a mão não precisaria de procurar a letra, não precisaria de fazer o movimento até ao local onde a letra está, à espera. Mas sabemos que nem sempre é assim.
Mark Tawin terá sido o primeiro escritor, e jornalista, a escrever um livro da sua typewriter Remington. Segundo o próprio: As Aventuras de Tom Saywer (1876). Provavelmente dele também, Mark Twain - para muitos o grande pai da literatura americana e de um jornalismo literário de altíssima qualidade -, terá saído a primeira crónica num jornal escrita ao ritmo daquele belo som das teclas da máquina de escrever.
Nos Estados Unidos, a Remington, antes da máquina de escrever, produzia apenas armas. Um avanço, pois, da civilização."
Gonçalo M. Tavares, in A Bola
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