"Abre-se urbi et orbi, à cidade e ao mundo, e a dobrar, o melhor futebol que se produz em Itália por estes dias, porque há na cidade eterna uma bela Roma, mas também uma Lazio magnífica. E neste mundo estranho, em que o que pensa diferente se torna depressa inimigo e a ideia de Feliz Natal surge ainda mais vezes hipócrita que oca, vale a pena dar atenção à capital apaixonada pelo jogo e onde rivais de sempre que se aproximam hoje naquilo que verdadeiramente conta: a qualidade em campo. Roma ou Lazio? As duas, tanto a Roma Associazione Sportiva, a da capital que a baptiza e que nasce das camadas populares, como a Lazio, Società Sportiva, mais da região, do Lácio que lhe dá o nome, e que emerge das elites. Como noutras cidades, a rivalidade vem de longe e foi cavada fundo. Roma ou Lazio? Hoje em dia? Ambas, como Rómulo e Remo.
Sou suspeito quanto à Roma, liderada por portugueses que admiro e estimo. Começo assim pela Lazio, de Simone Inzaghi, que o menos talentoso dos irmãos em campo - Pippo era melhor, talvez do melhor que vi a desafiar o fora de jogo – se revela agora superior no banco. Prova de qualidade foi dada recentemente e em dose dupla frente à crónica campeã Juventus, na Série A e na Supertaça, ainda que a equipa Sarri desiluda e pareça ser hoje mais vecchia que signora. É uma Lazio estendida num 1.3.5.2 de laterais profundos, que constrói com critério atrás, se equilibra com Lucas Leiva no ponto de apoio, mas sobretudo faz sonhar num triângulo desenhado para invadir o espaço do artista criador, a que eles chamam trequartista, e por onde deambularam, para nossa felicidade, Del Piero, Zola, Mancini ou Totti, e o maior de todos eles, Roberto Baggio. Não há desse jaez nesta Lazio, talvez não haja nada parecido em todo o futebol italiano recente, pelo que, nesta equipa, a ninguém se reserve em exclusivo esse espaço ou a tarefa. Criar é permitido ao critério firme dos passes de Milinkovic-Savic, à leveza que também é beleza na condução garantida por Luis Alberto e à aceleração lúcida com que Correa aproxima o colectivo da baliza. Adiante destes ainda há Immobile, mas quando a bola lhe chega para que cumpra o seu destino, o mais difícil está garantido.
A Roma tem, em poucos meses, a impressão digital do técnico português mais entusiasmante do momento. Na proposta de jogo, Paulo Fonseca não tem nada de Zorro, que se há coisa que recusa é mascarar ideias. A esse nível, não é de todo um mascarado, antes um descarado, que vai para jogar, seja onde e com quem for. E a ideia está primeiro: os centrais são para construir e fazem-no, mesmo que os pés de Smalling ou Fazio não sejam como os de Piqué ou Hummels, e os laterais surgem como armas para atingir o adversário e não armaduras para se proteger dele. E que bem deve saber a Kolarov, nestes dias já grisalhos, passar mais tempo a participar do ataque que em correrias de perseguição ao extremo contrário. Até porque lhe sobra fôlego para apontar na bola parada como só Messi consegue no futebol atual. E se Kolarov avança, como Florenzi (ou outro) na mesma função no corredor simétrico, aos extremos explica-se que a linha está entregue, pelo que há mais espaços para receber a bola e desequilibrar, o que alarga em simultâneo as competências individuais e as soluções colectivas. E é vê-los crescer, Kluivert, Under, Zaniolo, o admirável Pelegrini - reparem mesmo nele que não se arrependem -, todos em redor de Dzeko, como crianças que aprendem estórias de outros tempos com um familiar mais velho. E querem uma prova de como isto funciona? Atentem a quantos golos da Roma se fazem com conclusões fáceis, junto à baliza. É aí que se percebe o melhor do processo ofensivo de Fonseca e se pode acreditar que jogar bonito e bem há mesmo quem.
Nota colectiva:
Chelsea - Frank Lampard está a afirmar-se como treinador de topo, numa entrada firme ao mais alto nível com o Chelsea e depois das promessas deixadas com o Derby County no Championship. Numa equipa que já não vive os dias em que Abramovich gastava mais que todos, o antigo médio demonstra competência estratégica - como se percebeu há dias, diante do Tottenham de Mourinho -, faz crescer gente nova de talento, como Pulisic e esse admirável Mason Mount, além de retirar do limbo promessas adiadas como Kovacic ou Tammy Abraham. Não é difícil prever que aquele que foi um dos mais admiráveis futebolistas ingleses das últimas décadas seja um dos melhores técnicos das próximas.
Nota individual:
Papu Gómez - é um dos baixinhos que me encantam, na linha de Miccoli, Giovinco ou Insigne, pigmeus que crescem nas chuteiras. Chama-se Alejandro, mas todos o conhecem como Papu, porque era "Papuchi" para a mãe. Na Atalanta, ele é o 10 e há seis anos que é ele e mais dez. Vive nas entrelinhas, no espaço onde só os melhores resultam, é um rato de sete léguas, que acelera e dribla como os eleitos, mas tem também a sabedoria da pausa, de quando se recomenda travar para que cheguem apoios. No incrível terceiro lugar da época passada, como na excelente carreira da actual Champions, a Atalanta é de Gian Piero Gasperini no banco mas guiada em campo por Papu, o inesquecível pigmeu que já é cidadão honorário de Bérgamo."
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