"Ouvimos vezes sem conta que no futebol o que é realmente importante é o resultado. O que interessa é ganhar! Se jogas um futebol de sonho e no fim não ganhas, então estás mal. Mas se não jogas um chavelho e mesmo assim consegues ganhar, tudo está bem quando acaba bem. Este tipo de raciocínio pode fazer sentido para o típico adepto de clube, cujo único anseio é ver o seu emblema triunfar seja lá como for. No entanto, para quem gosta de desfrutar do jogo e apreciar a qualidade do futebol bem jogado, muitas vezes o resultado é o menos importante.
Vem isto a propósito das épicas meias-finais da Liga dos Campeões a que assistimos esta semana. Vou-me focar no Ajax. Não vai levantar a 'Orelhuda' com toda a certeza. Mas foi a equipa mais apaixonante da competição e conquistou, pela forma poética como jogou, um lugar destacado na nossa memória e no nosso coração. E também, porque não dizê-lo, pelo modo cruel, quase desumano, como foi eliminado pelo Tottenham quando já só se aguardava pelo último apito do árbitro. O Ajax foi, aos meus olhos, a melhor equipa, o melhor colectivo, da edição da Champions League 2018-19. Porque jogou da forma que eu idealizo e que me faz vibrar. Há mil e uma formas de abordar um jogo de futebol, mas permitam-me dizer que num relvado não há nada mais belo que um futebol de posse, de construção apoiada desde trás, de ligações e triangulações curtas, de busca de soluções através da inteligência e criatividade, de domínio sobre o adversário, de respeito pela bola. Acredito que só um futebol deste tipo traz o verdadeiro prazer aos jogadores que o praticam, assim como aos apaixonados que o contemplam.
Observar este Ajax de Erik ten Hag, discípulo de Pep Guardiola, jogar, é uma benção dos céus! E já está na História, mesmo sem ganhar nada. De repente, revivemos bons velhos tempos em que aquela camisola vermelha e branca era sinal de poderio. Provavelmente nem a liga holandesa vai conquistar. E, no entanto, só o facto de reencarnar o 'Futebol Total' do velho Ajax de 70, de Rinus Michels e Johan Cruyff ou de me fazer recordar o grande Ajax de 90, de Louis Van Gaal, dos irmãos De Boer, de Overmars, Kluivert, Litmanen, Davids, Finidi ou Seedorf, já conquistou a minha admiração e fez valer a pena.
Liverpool ou Tottenham, um deles vai levantar o caneco a 1 de Junho no Wanda Matropolitano. Mas para mim, peço perdão, o grande "vencedor" da Champions 18/19 é o Ajax! Sem dispor de super-estrelas mundiais (De Ligt ou De Jong são soberbos mas ainda jovens em evolução) ou sem ter a capacidade financeira de outros, conseguiu formar um colectivo de excelência, onde a equipa é a verdadeira estrela e os processos de jogo estão assimilados por todos quase na perfeição. Crédito total para Erik ten Hag que, fruto de uma ideia de jogo sedutora e de grande competência para a operacionalizar, conseguiu montar um sonho de equipa e pô-la a praticar uma maravilha de futebol! E faltou tão pouco para a tão desejada final...
O hat-trick de Lucas Moura, concluído miraculosamente ao minuto 90+6, colocou um ponto final numa caminhada verdadeiramente admirável. Na fase de grupos, o Ajax deixou o Benfica pelo caminho e fez companhia ao Bayern München na passagem à fase a eliminar. Nos oitavos-de-final, perdeu 2-1 em casa diante do Real Madrid e foi à capital espanhola triunfar por 4-1, numa exibição assombrosa! Nos quartos-de-final, foi a Turim arrumar a Juventus de Cristiano Ronaldo, ganhando por 2-1 em mais uma demonstração de categoria impagável, depois de ter empatado em casa. E nas meias-finais, foi a Londres vencer o Tottenham por 1-0 e em casa chegou ao 2-0, após uma primeira parte de luxo. Com uma vantagem de 3-0 ao intervalo da segunda mão, quem é que esperava aquele apagão na segunda parte?
O futebol precisava deste título europeu do Ajax! Num tempo onde equipas como o Paris SG, o Manchester City ou o Real Madrid gastam este mundo e o outro para contratar por catálogo quem bem lhes apetece, um título para os homens de Amesterdão seria uma autêntica pedrada no charco. E pensando bem, foi-o de igual forma. Afinal, a capacidade financeira não é tudo. Afinal, é possível competir com muito menos recursos mas com muito mais visão estratégica e muito mais qualidade do projecto futebolístico a longo prazo. Afinal, a excelência de um colectivo e de uma ideia, pode superar um camião de dinheiro e um conjunto de grandes individualidades.
O central De Ligt (19 anos, capitão de equipa) está destinado a ser o melhor do mundo na posição. E o médio De Jong, já contratado pelo Barcelona, é um portento de qualidade técnica, tomada de decisão e compreensão do jogo. São os dois melhores jogadores de uma equipa com outros bons intérpretes, como Tadic, Ziyech, David Neres, Tagliafico, Blind, Schone ou Van de Beek, mas longe de serem vedetas de primeira linha como existem nos grandes colossos europeus. Até por isto este trajecto singular merece fazer escola por esse mundo fora. É possível competir com menos recursos mas com maior competência...
Obrigado Ajax! Já ganhaste!"
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!