" “Cristiano leva estas coisas muito a sério”, disse Luka Modric, a propósito de o atacante da Juventus, ex-colega do croata no Real Madrid, não ter estado presente na cerimónia de atribuição dos prémios The Best.
Se calhar, leva. E, se calhar, não devia levar. Convenhamos que existe logo uma parcela de incoerência na ideia do prémio, em si, que faz com que estas hierarquias possam não ser muito lógicas e de rápida assimilação. Numa modalidade colectiva, nunca será plenamente objectiva a forma como se distingue um jogador dos outros.
Uns, para estabelecer comparações que não são comparáveis, vão atirar as estatísticas mais baratas, como assistências e golos, que até já são medidas na Bota d’Ouro. Sendo honestos, como o fomos na altura em que torcíamos para que Iniesta ou Xavi fossem consagrados no seu devido tempo, não será preciso propriamente socorrermo-nos de um dado estatístico para para avaliar a destreza de um centrocampista que segura toda a equipa e que é mais determinante que os outros. A consistência como alguém entende a dinâmica do jogo, se posiciona, gira sob pressão e soluciona problemas que não são traduzíveis, assim de repente, em números de passes curtos acertados ou assistências, pode ser tão ou mais importante quanto o número de golos de um avançado. São tarefas distintas, todas elas necessárias.
Mas se quisermos falar de golos, Giroud faz facilmente de advogado do diabo, como fez Guivarc’h há vinte anos: tinham praticamente a folha em branco nas selecções gaulesas campeãs do mundo e foram importantes, à sua medida no apoio e no desgaste, nas respectivas campanhas triunfantes. Como estamos todos mergulhados no oceano da subjectividade, teremos sempre quem queira valorizar mais um elemento do que outro. E acho que ainda dá para admirar todos eles, pelo menos eu tento.
Posto isto, à Michelle da 'Resistance', 'listen very carefully because I shall say zis only once', que é como quem diz: vou dar os meus elementos e fechar este assunto até ao próximo ano. Se tem de haver um prémio, gosto da ideia de o atribuir a Luka Modric como melhor jogador entre 3 de Julho de 2017 e 15 de Julho de 2018, o segmento temporal que está estabelecido para distinguir o melhor jogador da FIFA.
Como esse espaço temporal inclui o dia da final de Moscovo, naturalmente o desempenho no Mundial tem relevo no “desempate”. E tem ainda mais relevo porque é a maior prova da modalidade e porque ela é mais especial, pois acontece de quatro em quatro anos. Faz sentido que, daqui a um tempo, olhando para trás, a cronologia bata certo com os maiores heróis das provas mais sensacionais. Se houver alguma utilidade neste tipo de prémios, é exactamente para o estabelecimento dessas marcas históricas.
Modric foi finalista vencido, mas foi, provavelmente, o futebolista mais completo e o que teve mais impacto na prova. Peço desculpa por não conseguir trazer ‘print screens’ com dados estatísticos que reforcem isso, mas quem quiser observar o futebol de forma mais integral e não por resumos de dois minutos onde cabem todo o amontoado de golos e assistências, reconhece que o homem se agigantou e jogou barbaridades, carregando a Croácia às costas. A Croácia…
Mas Griezmann e Mbappé também não foram excepcionais? Foram. Griezmann começou a crescer com Diego Costa na segunda volta pelo Atlético, ganhou a Liga Europa e, no Mundial, foi fulcral na ligação da equipa de Deschamps. Mais fulcral até que o beep-beep do PSG. E não esqueçamos Varane, com essa particularidade de que não só ter sido campeão mundial de selecções, como também campeão europeu de clubes na equipa de Modric e de Cristiano.
A razão pela qual excluo Varane das minhas escolhas para ser eleito número 1 é pela tal categoria subjectiva que me assiste, de poder valorizar quem melhor se relaciona bom a bola, de quem comanda graças ao controlo. Quero dar valor a isso. Naturalmente falamos da eleição de um intérprete singular numa modalidade colectiva e aí admito que este troféu deva obedecer aos êxitos de clubes e selecções (a Croácia não foi campeã mundial, mas não deixou de ter muito êxito…).
Para além disso, um compromisso deve ser feito com o estilo, a classe e a técnica do jogador, que faz aquilo que mais nos surpreende. E aí talvez Luka Modric tenha sido o jogador que, na temporada de 2017/18, melhor tenha conseguido esse equilíbrio de factores colectivos e individuais, com especial peso para o Mundial esmagador que protagonizou, lembrando como suportou igualmente o meio-campo do Real Madrid na Champions para que, por exemplo, e sem tirar o valor aos remates do monstro do Funchal, também Cristiano pudesse marcar uma quantia significativa de golos. Pobre Modric, que não consegue explicar às pessoas como se governa um meio-campo não tendo volume de golos e de assistências para estampar nas redes sociais.
Devemos lembrar que nos reportamos ao desempenho da época desportiva, na qual Leo Messi conquistou uma dobradinha pelo Barça. Os blaugranas não foram longe na Champions e os argentinos, tal como os portugueses, não foram longe na Rússia. Messi é o jogador mais fabuloso da atualidade, mas não é essa categoria que é pedida na eleição do The Best 2018.
Houve um jogador especial que facilmente veria com justiça no pódio: Kevin de Bruyne. Ao longo da época, foi o mais regular na quantidade de exibições fora-de-série, com a camisola do Manchester City. O belga contribuiu excepcionalmente numa época em que os Citizens foram campeões ingleses com 100 pontos (!) e com recurso a um jogo deslumbrante, que fica na memória e não se esquece. Perde e ganha para Salah em um outro aspecto, ganha e perde para Modric noutro, nomeadamente no facto de ter feito um Mundial menos fulgurante que o craque de Zadar. De Bruyne não foi campeão europeu de clubes como foi Modric, e até foi eliminado por Salah nessa Champions, mas vencer a Premier League com 100 pontos e a jogar com aquele nível de precisão nas acções mais impossíveis, torna-se inesquecível. Hazard foi o mais frenético driblador do Mundial e tem sido o mais estrondoso da Europa neste arranque oficial de temporada, mas a última época de Conte no Chelsea trouxe dificuldades aos Blues.
Daqui a uns anos, vamos olhar para esta época 2017/18 sob vários tópicos. Foi a temporada do deslumbrante Manchester City, da consagração do Real Madrid como tri-campeão europeu e sobretudo do Mundial ganho pela França, torneio onde Modric foi esmagador. O croata foi o que melhor agregou os desempenhos mais memoráveis nos eventos mais especiais e, no meio dos comentários e análises que se fizeram à atribuição do The Best, confesso a minha estranheza com um argumento disparatado que cheguei a ouvir. Sugeria-se que Modric só ganhou e que Cristiano só perdeu este prémio pelo facto de o croata ser jogador do Real Madrid e de Cristiano já ter deixado o emblema de Chamartín, esse que, de acordo com as teorias mais ou menos conspirativas, manipula tudo com a sua máquina política e mediática. Isto é uma tese tão pueril que nem se dá conta que anula o mérito assombroso do CR7 quando foi eleito nos anos anteriores com… o Real Madrid.
Outro argumento pobre que fui ouvindo é o de que não faz sentido Modric ser distinguido porque Iniesta e Xavi não o foram, por exemplo em 2010. Para já, há um painel composto por antigas figuras do futebol que funciona como júri. Não é a FIFA que determina o vencedor de forma automática. Por outro lado, se se admite que Iniesta, Xavi ou até Sneijder teriam tido mais relevo naquele ano do que Messi, e que essa “falha” até pode ser vista como um erro histórico no rol de vencedores da Bola d’Ouro, acho que é bem melhor não voltar a cometer outro erro histórico.
Realça-se a primeira vez em que um jogador de um território pertencente à ex-Jugoslávia foi eleito como melhor da Europa/Mundo. Dzajic (1968), Savicevic (91), Pancev (91), Mijatovic (97) e Suker (98), estes dois na condição de ‘blancos’, estiveram nos pódios das votações finais nos seus respectivos anos, mas não tiveram a distinção máxima. Durante a cerimónia de entrega dos prémios, Modric teve palavras de reconhecimento a Boban, seu ídolo no crescimento futebolístico e a verdade é que o centrocampista do Real Madrid é, hoje, a maior figura de uma nação futebolística que já celebrou muitas proezas graças ao talento absurdo de Prosinecki.
Teria gostado de ver Guardiola entre os três finalistas do prémio de melhor treinador em vez de Dalic. Aliás, acho que a FIFA poderia pensar em segmentar futuramente o melhor treinador e o melhor selecionador. As outras categorias já não são muito fáceis de meter no mesmo saco, quanto mais esta. Quanto ao prémio Puskás, a bicicleta explosiva de Cristiano em Turim teria tido o meu voto, mas a partir do momento em que a eleição passa pela votação da "malta" na net, compreende-se facilmente que a comunidade árabe e todos os adeptos do Liverpool espalhados pelo mundo também tenham torcido por Salah.
Mas fica a dica de Modric: não levar isto tão a sério. O melhor, mesmo, é abrir os horizontes para apreciar tudo."
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