"O Benfica teve a vida facilitada em Setúbal, fruto da expulsão de Amoreirinha, teve sim senhor. Mas, atenção, foi 'fruto', não foi 'fruta', o que seria uma coisa completamente diferente
SE me permitem gostava de partilhar com os senhores leitores uma revelação, para mim foi uma revelação em Madrid no último fim de semana. Desde já prometo não vos maçar com outros temas que não seja o do futebol.
Três dias em Madrid para muitas coisas mais, no que diz respeito ao que vos interessa, foram três dias para chegar a esta conclusão:
-O futebol português não existe para lá de Badajoz.
Vivendo em Lisboa não tenho por hábito comprar a imprensa desportiva espanhola, o que seria uma despesa totalmente desnecessária já que os principais jornais desportivos portugueses concedem quase tantas páginas de informação dos assuntos do Real Madrid e do Barcelona quantas concedem aos assuntos dos clubes grandes e médios de Portugal.
Tendo por hábito e obrigação comprar a imprensa desportiva portuguesa, estou sempre a par de tudo o que se passa no Santiago Bernabéu e em Camp Nou. Se eu não fosse de comprar jornais em papel, se fosse mais de consultar as notícias na net, estaria igualmente muito em informada sobre as incidências da Liga espanhola porque os maiores jornais desportivos portugueses nos respectivos formatos disponíveis online abrem logo, na primeira página com caixas de informação sobre o Real Madrid, igualzinhas às caixas que disponibilizam sobre o Benfica, o FC Porto e o Sporting.
Deixem que vos diga que a coisa está longe, muito longe de ser recíproca. É verdade que o campeonato português não alberga os dois clubes financeiramente mais poderosos do mundo nem dá guarida aos dois melhores jogadores do mundo da actualidade, sendo que um deles até é português.
Também é verdade que o campeonato português, a ser visto de fora, não tem grandes interesse nem encerra supremas discussões. Normalmente, nas últimas três décadas, ganha sempre o mesmo clube, o que pode provocar grandes emoções cá na terra mas não ajuda a suscitar a curiosidade da imprensa estrangeira, como se compreenderá.
No Domingo e na Segunda-feira pela manhã, comprando num quiosque de uma qualquer rua madrilena A Marca, jornal da capital, jornal da capital, e o Mundo Desportivo, jornal da Catalunha, depara-se um português com o facto de nenhuma das referidas publicações conceder à jornada em curso do campeonato luso a menor das atenções nas suas respectivas páginas de noticiário internacional.
Lá vêm os resultados e as tabelas classificativas das ligas de França, de Itália e de Inglaterra, mas de Portugal... nada. O futebol português a nível interno não existe em Espanha, não tem expressão. Aparentemente é uma actividade clandestina.
James, o jovem talento colombiano do FC Porto, ainda há pouco tempo afirmou que gostaria de jogar em Espanha, o que causou algum embaraço no Dragão semelhante ao embaraço causado na Luz ou em Alvalade sempre que um jogador afirma a sua vontade de sair do futebol português. Temos de aceitar o seu desejo legítimo de exposição, não é?
Quando Falcao, outro colombiano, saiu do FC Porto para o Atlético de Madrid houve até quem o acusasse perentoriamente de descer uns quantos degraus na sua carreira. Prosápia de aldeia, podem crer.
Por tudo isto, gosto de ver Nélson Oliveira no Deportivo da Corunha em vez de o ver a pensar por cá na procura de uma oportunidade, ou de meia oportunidade, para fazer valer o seu valor. Duvido que, se as coisas lhe continuem a correr bem, queira um dia voltar. Compreendo-o. Por mim, está perdoado. Mas volta.
SE é diferente o tratamento dado aos assuntos do vizinho pela imprensa dos dois países ibéricos, já as aficións são muito parecidas no tratamento que dão aos infortúnios dos rivais.
O mau arranque do Real Madrid na sua liga motiva piadas catalãs como esta:
-Mourinho é único porque tem um único ponto.
Muito parecida com a piada corrente em Portugal sobre o mau arranque dos Sás Pintos na liga portuguesa:
-Até as reticências têm mais pontos do que o Sporting.
Estes exercícios de crueldade podem, na verdade, ser comparados embora provenham de realidade distintas em que pouco mais é comparável.
À mesma hora que o Sporting A sofria em Alvalade frente ao Rio Ave A as agruras de uma ineficácia que só pode ser temporária, o Benfica B destroçava sem cerimónia o Belenenses A. Faço votos, muito sinceros, para que este colapso estrondoso do Belém na jornada 4 da Segunda Liga não desmotive nem desmoralize a equipa de Van der Gaag na sua demanda pelo regresso à Primeira Liga. Pertenço a uma geração para a qual ver o Belenenses de fora das discussões principais é um absurdo que entristece.
Voltemos ao Benfica B que entretém e diverte quando joga bem e ganha, como aconteceu na segunda-feira. E que não preocupa nem nos faz zangar quando a sua excessiva juventude o faz perder, como aconteceu na jornada anterior.
As equipas B, por definição, são o paraíso da tal excessiva juventude que será sempre um pecado condenável nas equipas principais. Foi uma boa ideia, esta das equipas B dos clubes grandes passarem a disputar a divisão secundária, jogando seriamente todos os fins de semana durante semanas a fio.
Porque dá saúde e faz crescer uma multidão de jovens jogadores portugueses que, de outra maneira, se veriam perdidos em empréstimos avulso, em cedências que os levariam para longe do seu habitat natural e onde o início das suas vidas profissionais lhe seria bem mais difícil de suportar.
Na noite de segunda-feira, três mil e tal benfiquistas saíram muito satisfeitos do Estádio da Luz porque viram um grupo homogéneo de jogadores formados no clube produzir um esperançoso espectáculo de futebol.
E, no caso do Benfica, Luís Norton de Matos parece ter sido a escolha certa para tomar conta da rapaziada. Foi encorajador o sorriso com que presenteou Ivan Cavaleiro, autor de dois golos, quando o substituiu a dez minutos do fim do jogo com o Belenenses.
Foi encorajador para o jogador e foi encorajador para os adeptos que precisam de saber que o futuro, se todos assim quiserem, também se pode construir em casa, passo a passo, fora da órbita devoradora dos negócios de milhões e milhões onde se compram e vendem no estrangeiro jogadores já feitos ou nem por isso, como é o caso de Ola John.
Gosto do Benfica B. Gosto quando ganha e quando perde e quando empata, como aconteceu na primeira jornada frente ao Braga B. É um projecto estimável para ser levado a sério. Este é um bom caminho.
O Benfica A também esteve bem no fim de semana. Foi a Setúbal golear o Vitória por uma mão cheia de golos, apresentou bom futebol e uma dupla interessante lá na frente, Salvio e Rodrigo. É certo que beneficiou de jogar com mais um em campo do que o Vitória durante 82 minutos mais os tempos de desconto, fruto da expulsão mais do que merecida do Amoreirinha num daqueles lances que se for visto tranquilamente num jogo de futebol estrangeiro em que todos somos imparciais, o veredicto estabelece-se por unanimidade: este tipo tem de ir para a rua já.
O Benfica teve a vida facilitada em Setúbal, fruto da expulsão de Amoreirinha, teve sim senhor.
Mas, atenção, esse benefício da superioridade numérica do Benfica foi fruto, não foi fruta, o que seria uma coisa completamente diferente e que no caso, francamente, não colhe, por muito que venham agora os seus adversários letrados insinuar, sem grandes rodeios, que Amoreirinha se fez expulsar de propósito para, traindo os companheiros e quem lhe paga, oferecer a vitória de mão beijada ao adversário.
Enfim, uma espécie de tragédia grega que deve fazer parte do reportório corriqueiro de outros palcos pelo modo tão rápido e acintoso como alguma crítica mais especializada tratou de dissecar o momento do minuto 8 do espectáculo do Bonfim.
E nem sonham os caluniadores do Amoreirinha (de apelido) que o jogador é Eurípides (de nome próprio) provavelmente em preito ao grande poeta e dramaturgo grego do século V antes de Cristo que se chamava Eurípides e que é o autor de uma frase que, dois mil e quinhentos anos depois de ter sido escrita, explicaria na perfeição todo o caso passado no sábado com o Eurípides contemporâneo: «Um amigo seguro revela-se na adversidade.»
Convenhamos, no entanto, que a adversidade não era coisa do outro mundo aos 8 minutos do jogo, com o resultado em 0-0 e com tanto tempo para jogar. Mas tudo serve para comprar tragédias mesmo quando o que faz a diferença no topo da tabela é aquela coisinha mínima e singela do goal-average.
Golo à Braz, como escreveu há muitos anos um colaborador deste jornal, apreciador de bacalhau certamente, no mais fabuloso momento de tradução fonética de que há memória na imprensa desportiva e que faz parte do melhor anedotário de A Bola. Coisas antigas.
E de anedotas, por hoje estamos conversados.
QUE me perdoem os puristas da santa causa, mas vibrei com o sucesso do Braga em Udine. O Sporting de Braga, pelo menos no estrangeiro, é o terceiro grande de Portugal."
Leonor Pinhão, in A Bola