"Sempre que Jaime Graça disparava para a linha ou fugia a um adversário com uma finta de corpo, eu acho que ouvia o meu avô dizer em voz muito baixa, para si próprio: Jaime Raça.
FOI-SE embora Jaime Graça no início desta semana de clássico na Luz. Talvez por isso o seu desaparecimento tenha caído quase discretamente no cesto das pequenas e médias ocorrências que não se prendem ao rol das extensivas notícias, das suculentas tiradas que sempre marcam as vésperas de confrontos entre candidatos ao título.
Devo confessar que o Jaime Graça foi, de caras, o meu jogador favorito do Benfica quando em criança comecei a ir ao futebol com o meu avô.
O meu avô era um grande pragmático em tudo na vida e nunca foi dado a trocadilhos nem a ditos espirituosos.Porque falava pouco, tudo o que dizia era para ser ouvido com atenção, santo privilégio das boas gentes que não falam muito. Também era pessoa avessa a elogios. Quando gostava de um jogador ou de uma jogada limitava-se a respirar fundo.
Portanto, na minha insipiência infantil confundia-me, e mais tarde, já menos incipiente, maravilhava-me ouvi-lo referir-se sempre a Jaime Graça não pelo seu nome, mas por Jaime Raça.
Nos nossos lugares do Estádio da Luz (refiro-me ao monumental da idade clássica), vimos provavelmente todos os jogos do Benfica ao tempo da presença desse extraordinário jogador nascido em Setúbal. Apresentava-se impecavelmente em campo, até no penteado.
De risco ao lado e com uma melena inusitada para a época. Nem curta, nem comprida, nem muito menos cortada a direito. Apenas uns fiapes de cabelo, umas repas rebeldes que se iam despenteando e lhe tombavam para os olhos com o andamento do jogo. «O suor é um signo da moralidade», já dizia o Roland Barthes. E sobre isto pouco mais há a dizer.
E só ele tirava o meu avô do seu invariável mutismo de espectador e de adepto. Perdoe-se-me, é uma memória de infância, claro está, mas sempre que Jaime Graça disparava para a linha ou fugia a um adversário com uma finta de corpo, eu acho, não posso garantir, mas acho que ouvia o meu avô dizer em voz muito baixa, para si próprio:
-Jaime Raça.
E só depois é que respirava fundo.
Certamente que o meu avô me explicou o trocadilho, o significado das palavras, todo o vasto campo de glória em causa. Mas desses pormenores, com toda a franqueza, já não me lembro nada. No entanto, apraz-me recordar como, só pela forte impressão, terei aprendido tanta coisa que vale a pena num só nome.
Eis o que me apetece dizer na morte de Jaime Raça. Foi jogador do Benfica. Ganhou sete campeonatos e três Taças de Portugal. E hoje onde é que eles estão?
FOI exactamente nisso que eu pensei a ver o jogo de Coimbra. Que havia bruxas. Só podia haver bruxas. O senhor Fernando Nogueira, uma das nossas divertidas e simpáticas celebridades nacionais, conhecido como o Bruxo de Fafe, explicou recentemente ao país que há uma mulher «da área sobrenatural», residente no Alto Minho, que está «a trabalhar para que o Benfica não seja campeão».
Bruxas, com certeza! Foi o que eu pensei a ver o jogo de Coimbra. Foi sobrenatural tanto desacerto.
É preciso, com urgência, dar ouvidos ao Bruxo de Fafe. Pode ser que ainda se vá a tempo de contrariar a praga em curso, que é tremenda. A bruxa, que «é especialista apenas no mal» (pudera...), tem em sua casa «um alguidar com fotografias dos jogadores e treinador do Benfica com rituais satânicos».
O alguidar. Mas de lata? Ou de plástico? Foi precisamente nisso que pensei, e por diversas ocasiões, a ver o jogo de Coimbra.
Vai o Aimar para o chão na área dos estudantes e veio-me logo à cabeça o alguidar de lata. No entanto, voa o Nolito para o ar à entrada da área dos estudantes logo me veio à cabeça o alguidar de plástico e mais dois vasos de lata de pôr à janela com as sardinheiras de plástico. A cada fora-de-jogo de lata da boa, da antiga, outros tantos alguidares de plástico e mais uns quantos regadores cromados e um baldezinho de praia com motivos.
São as forças satânicas, que ninguém duvide.
Por sua vez, o bruxo de Fafe é de carne e osso, como compete a qualquer bruxo que se preze, e alongou-se nos pormenores da sua visita a casa da bruxa do Alto Minho. Ao ponto de chegar à questão dos honorários: «Se a mulher está a trabalhar sozinha ou não, isso não sei. Não me quis dizer quem é que lhe estava a pagar, só me disse que estava a ser muito bem paga.»
Ora aqui está uma notícia tão rara quanto motivadora num país em crise em que todos se queixam de maus trabalhos e de piores vencimentos. Há, pelo menos, uma bruxa no Alto Minho que está a ser muito bem paga. E que o diz sem rebuço a quem a quiser ouvir.
Imagine-se só isto. E trabalha apenas com um alguidar.
De lata?
Admirem-se.
NA época passada, o Benfica começou muito mal o campeonato. Erros próprios, como a fezada em Roberto, como o inaceitável desânimo depois da derrota na Supertaça com o FC Porto, como a chegada de novos jogadores sem qualidade para substituir os jogadores que se foram embora. Também erros alheios, como os de Olegário Benquerença e de outros que começaram logo a trabalhar com alguidares de lata nas primeira jornadas do campeonato.
O Benfica reagiu em voz muito alta e estridente às suas próprias sobrenaturalidades e às sobrenaturalidades alheias e perdeu-se, com algum ridículo, apelando a coisas tão disparatadas como a ausência dos seus adeptos nos jogos fora do Estádio da Luz.
E não se ficou por aqui em despautério. Por causa dos erros dos árbitros, até ameaçou desistir da Taça da Liga que, para cúmulo do mau-olhado, seria a única competição que o Benfica haveria de ganhar na temporada de 2010/2011. Atenção, não quero com isto induzir ninguém em conclusões precipitadas.
Não pensemos que o campeonato fica automaticamente ganho se o Benfica ameaçar que vai desistir a meio da prova. Embora, francamente, em função da palidez das últimas exibições, seja isso mesmo que parece estar a acontecer. Um inusitado anúncio público de uma não menos inusitada desistência.
Mas uma coisa dessas é inadmissível.
Não desistiram, pois não?
Portanto, em jeito de conclusão, na época passada, o Benfica não retirou vantagem nenhuma dos seus protestos, ameaças e lamúrias. Talvez por essa razão, o Benfica apresentou-se esta temporada com uma inusitada fleuma que eu, muito particularmente, aprecio porque é coisa de senhores.
As três falhas de electricidade na Pedreira, que tanto perturbaram a normalidade do jogo com o Sporting de Braga, não mereceram, por exemplo, o mais leve reparo. A expulsão de Óscar Cardozo a meia hora do fim do jogo com o Sporting também não suscitou qualquer tipo de reclamação e, no sábado passado, a arbitragem da bruxa do Alto Minho com todas as forças satânicas a operar passou oficialmente incólume.
Gosto deste Benfica. Os títulos ganham-se a jogar e não a falar.
E o resto são alguidares.
A Selecção portuguesa foi à Polónia inaugurar o novo estádio de Varsóvia e o jogo acabou sem golos. Parecia que estavam todos a poupar-se para o clássico de amanhã. Até a selecção polaca, que joga tão poucochinho, parecia que se estava a poupar para o Benfica - FC Porto, embora não tenha nada a ver com o assunto.
Era normal que Moutinho Rolando se poupassem porque são parte interessada. Era normal que Nelson Oliveira se poupasse nos dez minutinhos a que teve direito na sua estreia. Também seria normal que Bruno Alves se poupasse porque também vai jogar com o Benfica na próxima semana. E os restantes, por simpatia ou contágio, também se pouparam . Só Rui Patrício não se poupou a umas quantas defesas. Mas também está lá para isso como diria o senhor Aurélio Márcio."
Leonor Pinhão, in A Bola
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