"Começo esta crónica com uma pergunta: o que têm em comum Roberto Martínez e a arbitragem em Portugal?
Para além de conseguirem entristecer-me profundamente, o que, como facilmente percebem, não é o mais importante, têm em comum o facto de ambos desvalorizarem o futebol português.
Temos hoje, provavelmente, uma das melhores, senão mesmo a melhor geração de jogadores da nossa história. E, no entanto, ao fim deste tempo, é difícil para qualquer um de nós dizer em que sistema joga a Seleção Nacional. É difícil prever qual será o onze escolhido. Pode sempre dar-se o caso de o João Neves aparecer a defesa-direito, ou algo do género.
Podemos vencer jogos, podemos garantir apuramentos para fases finais de grandes competições, mas há perguntas que ficam sempre a ecoar: não estaremos a desperdiçar esta geração? Esta Seleção não poderia, e não deveria, render muito mais?
Eu acho que sim. E acho também que Roberto Martínez não é o selecionador indicado para isso. Tenho respeito e até simpatia por ele, mas penso que o futebol português merecia alguém capaz de elevar ainda mais o valor dos nossos jogadores. Um selecionador que conseguisse transformar o talento individual de cada um num coletivo fortíssimo, sólido, dominante. Não é o que vemos. Muitas vezes, é até o contrário.
Com a arbitragem em Portugal sinto exatamente o mesmo. Temos alguns dos melhores jogadores do mundo, formamos treinadores de excelência e, nos últimos anos, até dirigentes conseguimos exportar para as melhores ligas e clubes europeus e mundiais. Mas na arbitragem continuamos presos aos mesmos vícios, aos mesmos problemas e às mesmas polémicas que já existiam no século passado.
Nem as novas tecnologias vieram resolver o que quer que fosse. O videoárbitro, que deveria ser um instrumento de transparência, tornou-se mais um motivo de discórdia e de dúvida permanente. Um recurso criado para diminuir o erro humano transformou-se, demasiadas vezes, numa máquina de confusão que deixa tudo na mesma. Quando o VAR aparece mais vezes para gerar polémica do que para garantir justiça, percebemos que algo está profundamente errado.
Confesso que não gosto de falar de arbitragens, mas há coincidências que, de tão repetidas, deixam de o ser. No futebol, como na vida, há padrões que falam mais alto do que as desculpas. E o que tem acontecido ao Sporting nas primeiras onze jornadas deste campeonato já deixou há muito de ser uma sucessão de acasos. É um guião conhecido, erros atrás de erros, sempre a pender para o mesmo lado, sempre a favorecer a mesma cor.
Cinco jogos. Em onze. Praticamente metade. É esta a estatística que devia fazer corar quem ainda insiste em defender a tese de que nada se passa, que tudo isto é normal.
Frente ao Nacional, a história começou a escrever-se cedo. Um jogador madeirense indevidamente expulso num jogo em que o Sporting estava a perder. Quando o árbitro levanta o cartão errado, a narrativa muda, a história reescreve-se e os pontos acabam sempre por cair onde têm caído.
Depois veio o Famalicão e, mais uma vez, a justiça foi cega apenas de um olho. Gonçalo Inácio escapou a uma expulsão evidente com o jogo empatado. Escapou porque, no futebol português, há sempre alguém pronto a jurar que não era assim tão claro.
Com o Estoril, a mesma fita, o mesmo enredo, o mesmo desfecho. Uma expulsão perdoada, um penálti por marcar e um resultado que se mantém graças a uma dualidade de critérios que já não é apenas erro humano. É uma rotina. Um padrão que se vai consolidando semana após semana.
Depois veio o Alverca. Diomande, que devia ter sido expulso na segunda parte com o jogo empatado, lá ficou em campo. Ficou, talvez, para garantir que a história se repetia.
E chegamos ao último capítulo: o último jogo do campeonato. O Sporting vence nos descontos através de um pontapé de canto mal assinalado. Um lance que nem devia existir e que, no entanto, decide o jogo. O que devia ser exceção tornou-se regra. O que devia ser erro tornou-se rotina.
É impossível não lembrar o final da época passada. Aquele ambiente estranho, quase irrespirável, em que tudo parecia inclinar-se para o mesmo lado. Uma sucessão de decisões inexplicáveis que, somadas, ajudaram a conquistar uma Liga e uma Taça.
O futebol português tem esta tendência para a autoilusão. Gosta de acreditar que é justo, que é equilibrado, que os grandes são todos iguais perante o apito. Mas a realidade tem sido teimosa. Nos primeiros onze jogos, o Sporting foi beneficiado em cinco. Cinco. Que outro clube pode dizer o mesmo?
Há quem diga que o Sporting joga bem, que tem mérito, que merece estar onde está. Ninguém nega o mérito desportivo quando ele existe. O problema é que, quando os resultados são constantemente moldados por decisões erradas, o mérito deixa de ser suficiente. O futebol vive de golos, mas também vive de justiça. E quando a justiça é seletiva, o jogo morre um pouco a cada jornada.
O campeonato não se decide em novembro, mas decide-se no detalhe. E quando o detalhe é distorcido por cartões mal mostrados, penáltis ignorados e cantos que não o eram, a tabela classificativa passa a ser o reflexo de erros acumulados.
No fim, talvez o Sporting volte a levantar um troféu. Mas há vitórias que não se celebram com a mesma convicção. Há títulos que ficam manchados pelo peso das dúvidas. E há campeonatos que, mesmo antes de terminarem, já soam a repetição de um enredo antigo.
O mais grave é que parece que querem que nos habituemos. Que nos habituemos ao erro, ao critério seletivo, à explicação esfarrapada, ao VAR que não vê e ao árbitro que não quer ver. Que nos habituemos tanto que passemos a achar normal aquilo que nunca devia ser normal. E quando grande parte do nosso futebol se resigna à injustiça, o problema deixa de ser do apito. Passa a ser dele.
As coincidências, quando são sempre as mesmas, deixam de ser coincidências. E enquanto o futebol português continuar a aceitar este enredo repetido, continuará também a desperdiçar o que tem de melhor: o talento dos seus jogadores e treinadores. Porque, no fundo, algo de errado não está certo. E muitos parecem fingir que não sabem porquê."

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