Últimas indefectivações

domingo, 19 de novembro de 2023

Como deve um árbitro preparar um jogo internacional?


"Os jogos internacionais, como aqueles que Portugal disputa nesta semana de apuramento para o Euro 2024, são desafiantes para jogadores e técnicos, mas também para os próprios árbitros, sob o ponto de vista da preparação técnica.
As suas nomeações são geralmente conhecidas com alguma antecedência, o que lhes permite terem mais meios e condições para anteciparem tudo o que em teoria poderá acontecer nas quatro linhas.
Independentemente de não haver nada padronizado nessa matéria, o que me parece um erro crasso - na verdade, cada equipa de arbitragem prepara (ou não) o jogo como bem entende -, a verdade é que a maioria dos árbitros têm um método de trabalho muito profissional, que implica o estudo cuidadoso de todas as variáveis que terão pela frente.
Isso pressupõe estudarem os clubes e/ou as seleções em causa, nomeadamente a sua forma habitual de jogar, as táticas que usam nas várias fases do jogo (bolas paradas a favor e contra, por exemplo) e conhecerem ao pormenor os seus jogadores mais influentes, ou seja, os mais rápidos e contestatários, os mais tecnicistas e mais lentos, os que executam bolas paradas e fazem/sofrem mais faltas, os que simulam ou caem com maior frequência, etc.
É também importante perceberem a relevância da partida em si, ou seja, se é ou não decisiva (porque isso altera a predisposição emocional dos jogadores), o histórico recente de problemas entre elas e/ou os seus adeptos, o comportamento habitual dos bancos técnicos, o estado do tempo previsto à hora do jogo, o número de pessoas esperadas nas bancadas, a sua postura habitual, a qualidade do relvado, etc.
Nada pode ser deixado ao pormenor. Se um árbitro não tentar conhecer estas variáveis, jamais poderá jogar na antecipação. Fará uma arbitragem reativa que é quase sempre sinónimo de caótica.
Mas em jogos como aqueles que Portugal enfrentará agora, os árbitros internacionais sabem que, por regra, viajam na véspera e regressam na manhã do dia seguinte. A exceção são os sítios com fuso horário substancialmente diferente e/ou que impliquem deslocações maiores (casos da Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Israel e afins). Aí a chegada à cidade acontece quase sempre dois dias antes do apito inicial.
Os seus planos de viagem devem ter em conta inúmeros fatores, que vão da vertente técnica à logística, sem esquecer a questão física e emocional.
A escolha da indumentária a utilizar é fundamental, pois será essa que venderá (ou não) para o exterior imagem de credibilidade e profissionalismo da equipa. Convém haver coerência e profissionalismo aí, não vá o árbitro aparecer de fato e gravata, um dos seus assistentes de t-shirt e calções e o outro de fato de treino e chinelos.
Depois, tudo o resto conta também: a escolha dos equipamentos de treino e de jogo que a competição exige (convém que o básico, o essencial, esteja na mala de mão, não vá a bagagem de porão extraviar-se), além de todos os acessórios técnicos necessários à realização do encontro: relatórios, apitos, moedas, cartões, sistema de comunicação, calçado, bandeirolas, etc. Depois, os kits de higiene pessoal e médico, documentos de identidade, cartão de crédito, dinheiro…
Nada pode falhar a esse nível, porque o tempo passado no estrangeiro não dá azo a grandes manobras: à chegada um elemento local estará à sua espera no aeroporto (geralmente alguém indicado pela Federação do país visitado) para, depois de uma breve ida ao hotel para troca de roupa, irem efetuar treino ligeiro ao estádio onde o jogo decorrerá. Esse momento serve para conhecerem as instalações do clube, desentorpecerem os músculos e perceberem em que estado está o relvado.
É uma primeira aproximação à realidade competitiva do dia seguinte.
Depois do duche no local, nova muda de roupa no hotel e jantar, já com a presença dos delegados e observador ao jogo, ambos nomeados pela UEFA. Momento tranquilo mas com algum formalismo, porque é aí que todos se conhecem e retiram as primeiras impressões uns dos outros.
Na manhã seguinte (dia de jogo) e logo após o pequeno-almoço, reunião de segurança no estádio, que por regra começa às 10h locais. Esse é um momento importante, onde a equipa de arbitragem - ou um elemento a representa-la - conhece tudo o que está definido em termos de equipamentos das equipas, transmissões televisivas, local de aquecimento de suplentes, questões relacionadas com segurança, apoio médico, situações de emergência, etc. É também aí que todos os outros intervenientes conhecem o árbitro (ou o seu representante) e escutam algumas das suas indicações técnicas.
Antes do seu início, é feita vistoria oficial ao terreno de jogo e às suas imediações (balneários das equipas, sala de doping, de imprensa, etc).
Após o almoço, um curto descanso, reunião de preparação entre equipa, lanche e partida para o estádio, onde é suposto os árbitros ingressarem com duas horas de antecedência.
Depois do jogo terminar e de todos os atos administrativos realizados, saída do estádio direta para um restaurante pré-definido, para jantar com os representantes da UEFA. O regresso ao hotel costuma ser tardio e, com a ressaca do jogo e respetivo debriefing (com o observador e entre a própria equipa), sobra geralmente pouco tempo para dormir. A mala fica logo pronta e duas, três horas depois (às vezes nem isso), de volta ao aeroporto para o voo de regresso a casa.
É uma vida entusiasmante, mas carregada de sensações fortes: expectativa, nervosismo, ansiedade pré-jogo; foco máximo, concentração total e adrenalina ao rubro durante os noventa minutos; descompensação total no período que segue. Descompensação que pode ser positiva, entusiasmante e encorajadora (se o jogo correr bem) ou depressiva, prolongada e angustiante (se correr mal).
Faz parte."

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!