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terça-feira, 12 de maio de 2020

O futebol luso, esse antro de patafúrdios

"«Por incrível que pareça
Por incrível que pareça
Não há nada, não há nada
Que não nos aconteça
Ó sorte malvada,
Que vida desgraçada!
Ai ai ai Ai ai ai»
O génio de Sérgio Godinho e a imaginação do encenador João Seara Cardoso criaram em meados dos anos 80 A Árvore dos Patafúrdios. Uma série infanto-juvenil, muito colorida, que tinha por protagonistas os Patafúrdios.
Quem eram os Patafúrdios? Eram 12 pássaros que viviam presos a uma árvore. De tão barrigudas, as simpáticas aves perderam a capacidade de voar, mas não de viver. Sem saírem do lugar, arranjavam sempre forma de encontrar problemas.
Era incrível, de facto, mas tudo lhes acontecia. Sempre no mesmo cenário. Um mundo pequeno, mas agitado.
Ao assistir da minha sala às últimas semanas do futebol português, tenho-me lembrado muito destas criaturas. Não há jogos, mas há sempre uma qualquer trama pronta a fazer as delícias dos maledicentes e dos jornais que embarcam nos seus jogos sujos.
Sem se mexer, a liga portuguesa tem a capacidade de entreter e polemizar, como se aqueles 90 minutos à flor da relva – ai que saudades! – não passasse de um mero detalhe, um pormenor ao canto de um quadro de pinturas berrantes, esdrúxulas e, não raras vezes, histéricas.
Eu, assumido romântico do futebol, apaixonado pela estatística e as histórias de vidas dos artistas, confesso a minha escassa paciência para a insensatez parva que rodeia o fenómeno.
Num dia ouço um deputado da nação, cujo ideário é o populismo racista e o aproveitamento nojento da tragédia alheia, a vociferar contra o posicionamento social de um internacional português. Ricardo Quaresma – já agora, aplausos, muitos aplausos para ti, Ricardo.
No outro, ligo a televisão e ouço um comentador a defender o cancelamento do campeonato e a entrega do título ao campeão da época anterior.
Antes, tive de assistir ao passeio da concórdia dos presidentes dos três grandes à casa da FPF, como se o nosso futebol não fosse mais do que um torneiozinho organizado pelos confrades Vieira, Varandas e Pinto da Costa. Sobre isto, o meu camarada Sérgio Pires já tudo escreveu.
Há mais. Na ARTV, escuto um dos ministros com mais responsabilidade e influência no governo a exclamar a sua aversão a uma determinada cor clubística. Não impenderá sobre esta gente a noção da isenção, imparcialidade e contenção, pelo menos em público?
Já chega? Não. Tenho dúvidas, muitas mesmo, que haja condições para a realização de jogos profissionais nas próximas semanas. Infelizmente, eu e toda a minha família mais próxima fomos afectados pela Covid-19. A agudização do quadro de sintomas do meu filho levou-nos ao hospital, falámos com infeciologistas e epidemiologistas e ouvimos várias vezes a mesma coisa: o teste de despiste à infecção tem uma percentagem de acerto a rondar os 63 por cento. Imaginem a quantidade de falsos negativos que andam por aí.
Tantos episódios e tanta patranha sem o futebol português ter de sair do lugar. Sem a bola saltar, sem o povo gritar golos. Não há nada que não nos aconteça, mas nós também nos pomos muito a jeito."

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