"Por estes dias são várias as questões que têm marcado a agenda mediática desportiva mas, para vos ser sincero, quase todas ultrapassam-me.
Não estou por dentro, não sei as suas razões, não as conheço o suficiente para emitir juízos de valor.
Acho que esta é a postura mais sensata. Penso que as pessoas só devem falar do que sabem, sob pena de potenciarem mentiras ou contribuírem para difundir suspeitas infundadas ou maliciosas.
Há, no entanto, um tema que conheço bem. Demasiado bem.
Vivi-o, senti-o e experienciei-o na pele durante anos a fio. Por isso, sinto-me com legitimidade moral e intelectual para opinar, para dizer o que penso.
Refiro-me à recente polémica relativa às viagens dos árbitros à Madeira.
Como sabem, o que está aqui em causa é o facto de estar programado que viajem no mesmo voo (charter) que as equipas.
Vamos então falar sobre isto, de forma clara, aberta e sem rodeios:
- O assunto só passou a ser relevante porque o SL Benfica vai jogar com o Marítimo, na 29ª Jornada da Liga NOS. Se fossem apenas o Vitória FC, o Gil Vicente, o Rio Ave ou o Famalicão (como serão), ninguém falava sobre isto. Ninguém.
Desengane-se também quem acha que o tema seria menos "quente" se fosse o FC Porto a deslocar-se à Madeira. Não seria. O ruído seria igual ou, porventura, pior. Bem pior.
Quer isto dizer que o que está em causa não é o receio que as equipas de arbitragem possam ser "condicionadas ou pressionadas involuntariamente", mas o facto de um clube poder vir a tirar dividendos disso.
Vamos lá ver: todos concordamos que o ideal seria evitar essa coincidência. E seria ideal apenas para evitar este falatório, para acalmar uma percepção pública que parte sempre da desconfiança e, sobretudo, para defender os envolvidos. O problema é que, nesta fase e fruto das restrições que conhecemos, isso é impossível.
Há uma coisa que posso garantir-vos, por experiência própria: nenhum árbitro é influenciado pelo facto de partilhar, durante uma hora e vinte, o mesmo espaço físico que elementos de determinado clube.
Não é isso que pode pressionar o seu subconsciente. O que pode, eventualmente, fazê-lo é a narrativa nebulosa que se cria em torno de assuntos como este. É a transmissão da ideia que há uma preocupação honesta no meio disto tudo. É também o tipo de comunicação perversa que tantas vezes se viu ao longo desta época, jogo após jogo, jornada após jornada. Isso sim, pode incomodar. Pode retirar confiança, afectar a concentração, aumentar a intolerância.
É com isso que devem preocupar-se aqueles que agora parecem considerar importante criar bom ambiente em torno das equipas de arbitragem.
Meus amigos, deixem-me que vos diga também outra coisa: esta situação acontece há anos. Há anos!
Não é de agora, não é de ontem e não passou a existir agora, que a pandemia obrigou a opções apertadas.
Enquanto árbitro no activo, viajei um sem número de vezes com as equipas (e respectivos adeptos). O único desconforto que sentia (pontualmente) era no regresso, quando elas perdiam ou, pior, quando tinham motivos para contestar as minhas decisões. Aí sim, o clima era tenso e frio, logo no check-in.
Na viagem de ida, tínhamos cuidados a mais. Parecíamos monges. A prudência e a tentativa de evitar interpretações erradas impunha-nos uma espécie de barreira, apenas quebrada para um cumprimento tímido ou para uma palavra de circunstância, quando a situação era inevitável.
É estranho que pessoas íntegras, adultas e bem-formadas tenham "medo" de confraternizar, porque a cultura desportiva vigente é impreparada, pequenina e retrógrada. Há demasiada maldade no ar e a melhor defesa é não dar o flanco.
Já agora, um outro pormenor: acham mesmo que, depois de tantas medidas apertadas, fazia sentido colocar uma equipa de arbitragem (ou um plantel inteiro) a voar num voo comercial, com dezenas de outros civis, focos de potencial infecção? Acham mesmo que seria sensato expo-los a isso, depois de tantos testes e vigilância médica?
Acreditem quando vos digo.
Perante circunstâncias excepcionais como estas, este devia ser sempre um não assunto. Ao ser "importante", apenas evidencia um problema estrutural na forma como se julga a idoneidade/profissionalismo dos árbitros portugueses.
O pensamento em relação a eles parte sempre de premissa negativa. Na dúvida, são pressionáveis ou "susceptíveis de adulterar resultados de forma involuntária ou inconsciente".
Há algo que tenho por muito certo: os jogos ganham-se em campo! Ganha quem é mais forte, mais consistente, mais determinado! Ganha quem marca mais golos! Ganha quem se prepara melhor e quem controla as variáveis que dependem apenas de si!
Tudo o resto é poluição sonora, que é transversal. Muda a forma, mudam os protagonistas mas a essência está lá. Infelizmente."
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