"Esta manhã, confesso, acordei a saber patavina do que iria aqui escrever até espreitar, pela primeira vez, o telemóvel com olhos de ver e, no ecrã, ler Jamal Khashoggi.
É o nome do jornalista saudita que, em Outubro de 2018, necessitado de alguma papelada para se divorciar, entrou pacato no consulado do país, em Istambul, na Turquia, e de lá saiu morto, assassinado e esquartejado por um esquadrão de agentes também sauditas. Cinco foram condenados à morte e juntar-se-ão a Jamal Khashoggi do outro lado, por certo nunca, jamais, nas mesmas parcelas de terreno do Além, para quem acredita que na morte está a implacável mão da justiça entre a benignidade e a malvadez, que separa os bons e os maus em vida, no caso, nascidos na Arábia Saudita.
Este é o nome do país onde os italianos sintonizaram a televisão para, no domingo às 16h45, em dezembro, verem a Lazio ganhar à Juventus e conquistar a Supertaça de Itália. Tinham-no feito já o ano passado e, durante mais uns momentos, o futebol é uma caravana circense e nómada, indiferente ao que se passa nas terras onde vai parando, preocupado apenas em entreter, se lhe perguntarem pelas suas motivações, mas, sobretudo, focado em visitar os lugares onde o dinheiro o chama e a Arábia Saudita chamará, em Janeiro, por quatro equipas espanholas, no primeiro de três anos contratualizados para a nação onde a democracia é musculada e os direitos humanos são trinca-espinhas acolher um novo formato da Supertaça de Espanha.
De repente, o que de mais fulcral aconteceu nos futebóis do mundo centralizou-se ali e no vizinho Qatar, onde a versão jesuleirada do Flamengo perdeu a final do Mundial de Clubes, só no prolongamento, com o Liverpool treinado por Jürgen Klopp, que disse ter de ser "influente no futebol e não na política", escolhendo não falar sobre "um assunto sério, que tem de ser falado", ainda assim falando mais do que Razvan Lucescu, do Al-Hilal, que disse não estar autorizado pelo clube dos Emirados Árabes Unidos a falar sobre o facto de a homossexualidade ser ilegal no Qatar que, em 2022, acolherá o próximo Mundial e soma acusações de maus tratos a trabalhadores migrantes, violações de direitos humanos e corrupção.
Ninguém fala, pode falar ou acha que deve falar sobre estes temas. Concebe-se que o futebol é a bola e o resto é isso mesmo, um resto em que não se deve meter, mesmo que países como a Arábia Saudita e o Qatar tenham cada vez mais pegada no futebol e lhe dêem mais itinerância, perguntem a Jesualdo Ferreira, que certamente falará dos quatro anos que passou a treinar o Al-Sadd, os supostos últimos da carreira, mas que agora, aos 73 anos, deve ir treinar o Santos, do Brasil, para onde já foi Augusto Inácio (Avaí), ambos depois de Jorge Jesus desbravar um caminho de quase sucesso total até ir ao Qatar, porque lá se decide hoje em dia o caneco que pretende distinguir o melhor clube do mundo.
O futebol é um globe-trotter e uma lavandaria em eterna rotação, onde se banalizou ouvirmos que nunca se sabe o dia de amanhã pois, de facto, não podia ser mais verdade.
(...)"
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