"Uma das frustrações de um árbitro é a de constatar, jogo após jogo, que raramente vê reconhecida a qualidade do seu trabalho. Como sabemos, é raro o elogio público, a unanimidade em relação à competência, a admiração face à postura, personalidade e idoneidade de um juiz de campo. Acontece sim, pontualmente, mas poucas vezes. E é pena. É pena porque qualquer profissional precisa dessa motivação para manter o caminho para a excelência.
Sejamos honestos: quem não gosta de ver o seu trabalho valorizado, sobretudo se o que faz é tão difícil, determinante e mediatizado?
Diz-se que os árbitros têm a única função no mundo em que já são malandros, corruptos e vendidos, antes mesmo de começarem a trabalhar. Basta que entrem nas instalações do estádio para que chovam assobios, insultos e ameaças, vindas pela voz inebriada da meia dúzia de candidatos a sapiens que os esperam à porta da garagem. Não é queixa, não é vitimização, não é lamento de gente carente. É uma constatação de facto. Uma mera constatação de facto.
Se pensarmos bem - e pensar bem é despir a camisola, deixar o sentimento de lado e assumir o papel de ser pensante - esta hostilidade é um disparate. Não faz sentido nenhum. E na prática, vale (quase sempre) zero. É que, ao nível do futebol profissional (onde um árbitro só chega depois de muitos anos a virar frangos), ninguém se deixa influenciar por assobios, isqueiros ou bruás violentos. É até ofensivo pensar-se que esse tipo de pressão, verdadeiramente terceiro mundista, pode materializar-se num resultado positivo para quem quer que seja.
Mas, supondo até por instantes, que sim... que um ambiente mais agressivo e infernal pode fazer vacilar o subconsciente de um árbitro mais inexperiente, digam-me:
- Ganhar assim é ganhar a sério? Vencer com base num subterfúgio tão imoral, tão batoteiro e pequenino... é vencer com dignidade? Com justiça?
A reflexão fica para quem acha que sim. E para quem, semana após semana, ainda entende que o "vale-tudo" é a única forma de se superiorizar ao adversário, num jogo que tem que se vencer dentro das quatro linhas.
Para esses, um minuto de silêncio.
Pronto. Já está.
Naturalmente que não se pedem aplausos e "holas" para as equipas de arbitragem. Também não se pede às pessoas que anulem uma tradição histórica de desabafar, gritar e libertar a tensão numa partida de futebol. O jogo não é uma missa e as emoções não se empacotam numa caixa. Certo. Certíssimo.
Mas o ideal é que houvesse, pelo menos, um bocadinho (um niquinho só) de mais respeito. O mesmo que, por exemplo, merecem treinadores e jogadores. Claro que também eles são criticados e tantas vezes injustiçados, mas bolas... não são "ladrões" assim que começam o aquecimento. Não são corruptos quando falham um golo a meio metro da linha de baliza. E não são gatunos quando fazem a substituição errada no momento menos indicado.
Esta evolução cultural não é fácil.
O árbitro é o "desmancha-prazeres" do jogo desde que o jogo deixou de ser jogado sem regras, como ainda hoje se faz, por carolice, no recreio com os colegas. Mas tem que haver, algures por aí, uma coisa chamada meio termo. Algo semelhante ao que se vê, por exemplos, nalguns campeonatos (não muitos, infelizmente), onde o desabafo daquela hora e meia nunca ultrapassa ... a hora e meia. Nunca se arrasta durante semanas, nunca persegue, raramente difama, não rotula e não inflama.
É o que é, fica ali e entra na memória perdida pouco depois. Nesses campeonatos, é pouco comum usar os erros de arbitragem como arma de arremesso para empoeirar os olhos dos adeptos. As más arbitragens não servem de pretexto para justificar fraquezas próprias, incompetência de gestão ou resultados menos conseguidos.
É tudo uma questão de comer gelados. Há quem os coma com a boca, há quem os coma com a testa... e há quem pense que o mundo é todo otário.
Incrível, não é?
Bem, mas está na hora de darmos um passo em frente. O povo tem que ganhar mais educação, para aumentar a sua cultura desportiva. E quem está deste lado tem que dar perceber que ganhar com isenção e lançar a confusão são coisas que rimam, mas que nunca se podem confundir."
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