"Vivemos neste fim de semana dias muito parecidos, no que diz respeito ao futebol, àqueles que se viram com a crise financeira em 2008: uma espécie de “Black Friday” no futebol das três equipas mais tituladas em Portugal. Nos Açores, em Alvalade e no Bessa triunfaram equipas cujo principal argumento é a transpiração, e parece, por isso, que todo o progresso iniciado por José Mourinho em 2001 foi interrompido.
A evolução é assim, faz-se paulatinamente e está cheia de avanços, mas também de retrocessos pontuais, como tem sido o caso em Benfica, FC Porto e Sporting até ao momento. Não me lembro de, nos últimos 18 anos, uma jornada tão deplorável nos campos onde actuaram as equipas com maior responsabilidade na prova principal do futebol português. Podia haver uma ou outra exibição má por parte de uma equipa, mas das três, na mesma jornada, não me recordo quando. Haver em três campos de futebol distintos três equipas com orçamentos infinitamente superiores ao seu adversário, com condições de trabalho superlativas, com jogadores de qualidade superior a todos os do seu rival, cujo valor do passe é maior do que os orçamentos das equipas contra quem jogam, e nenhuma delas conseguir parecer, não obstante da competitividade, uma equipa do futebol moderno, não é coisa que esperava ver.
Nesta época, o futebol dos “três grandes” tem tido pouquíssimas coisas dignas de interesse. Curiosamente, o mentor de uma das maiores evoluções e revoluções do futebol português, na última equipa onde trabalhou, estava neste mesmo estado de obscuridão que vivemos hoje em Portugal. José Mourinho mudou, e os “três grandes” parecem querer seguir o mesmo caminho antagónico à evolução que o próprio Mourinho iniciou.
A melhor forma de retratar a escuridão que vivemos neste fim de semana é pensarmos que assim como o Manchester United do melhor treinador português da história, Benfica, FC Porto e Sporting foram equipas que jogam muito sem bola - o famoso futebol humano que se joga um pouco em todas as escolas do país. São equipas diferentes na forma de fazer, mas são semelhantes nas principais virtudes e no principal problema.
A principal virtude de todas elas é a forma como o treinador idealiza o seu processo de jogo; em todas elas o treinador é a estrela que mais brilha. Durante os noventa e pouco minutos, quem estava no estádio, quem viu o jogo pela televisão, ou quem ouvia os relatos na rádio, não conseguiu perceber um pingo de qualidade da esmagadora mairia dos executantes dessas equipas, e a conversa virava-se invariavelmente para o treinador. Olhamos para as exibições nos Açores, em Alvalade e no Bessa e vemos equipas a adoptarem posicionamentos definidos pelo treinador nos seus diferentes sistemas de jogo, equipas esforçadas no momento de recuperar a bola, e desesperadas por vencer cada primeira bola e cada duelo. Equipas bem apetrechadas e rigorosas do ponto de vista posicional, focadas sobretudo no espaço.
O problema disto é quando a bola entra em jogo. Porque quando a bola entra em jogo não há transpiração e esforço que não o cognitivo e qualidade que não a técnica que valham.
Ouvi os mais velhos contarem histórias de como Néné jogava sem sujar o equipamento: nesta jornada vi equipas inteiras saírem com os jogadores cheios de lama e espremidas as exibições das suas equipas não temos sumo.
Há quem pense que antes de atacar tens de defender bem, e é esse o mindset instalado quase por todo país; eu penso que primeiro tens de atacar bem, pensar bem na tua forma de atacar, e só depois começas a pensar numa forma de te defenderes da forma como atacas. Pensemos juntos: defender é uma consequência de quê? De uma perda de bola. Se uma equipa for tão bem trabalhada do ponto de vista ofensivo para que passe muito mais tempo com bola do que o seu adversário, já está o primeiro passo dado para defender quando a equipa ainda está no ataque. Mas quando não tens bola é impossível dizeres que estás a atacar. Podes até posicionar-te como quiseres para preparar contra-ataques, mas estás sempre dependente do que o adversário te permitir. É lógico que é importante saberes colocar-te sem bola, mas o grau de dificuldade disso é muito menor do que criar formas para atacar com qualidade. E olhando para o panorama, onde a evolução defensiva tem sido muita, onde as equipas defendem muito melhor do que no passado e quase sempre com muitas pernas, saber atacar é o factor que marcará a diferença para os demais.
Aqui entra o principal problema, e também o problema comum destas equipas: a bola. Como é evidente, é muito importante que as equipas sejam competitivas, que os jogadores se esforcem; é uma arma muito importante a arrumação da equipa com e sem bola, assim como é saber jogar em função do espaço; mas equipas cujas únicas armas são essas não se notabilizam tanto do ponto de vista colectivo como poderiam por estarem sempre dependentes da competência individual dos seus jogadores, sobre quem recai a responsabilidade de fazer o que a equipa, em conjunto, não consegue. Sabendo que as individualidades nem sempre estão tão inspiradas, e nem sempre a sua exibição é directamente proporcional à sua qualidade, a equipa fica refém dos erros dos adversários e da sorte, e como resultado temos a pobreza exibicional que vimos nestes três jogos desta jornada.
Vimos equipas que priorizam o jogo sem bola e, por isso, ignoram individualidades que lhes poderiam resolver problemas ofensivos que eles colectivamente não são capazes de solucionar, e vimos equipas a livrarem-se da bola – esse problema! – chutando-a para a frente e cruzando de qualquer forma na esperança de um ressalto, de uma segunda bola, de um erro do adversário, da sorte de ficarem com ela em boas condições, ou de ser o adversário a ficar com a bola mas ter a equipa bem mais subida e começar a pressão em zonas mais adiantadas. Percebemos que as equipas são incapazes de fazer um uso correto da bola, e sem a percepção da vantagem que é tê-la. Em campo, nenhuma equipa demonstrou de forma clara e consistente que a bola serve para descansar, para se reorganizar, para retirar a iniciativa de jogo ao adversário, para gerir as expectativas de jogo e o resultado, para defender, e também não percebemos capacidade para com bola provocar o bloco defensivo, levar quem defende para zonas que interessem, e aproveitar depois os espaços deixados em aberto pelos movimentos defensivos que o adversário foi obrigado a fazer.
É um problema colectivo que os os “três grandes” demonstram: são capazes de aproveitar os espaços, mas incapazes de os criar. Problemas dos modelos de jogo e da escolha dos jogadores que denunciam a desvalorização da criatividade, que cada vez se torna mais rara em Portugal.
Parece-me que quem tem interesse em ver futebol sai desta jornada, depois dos jogos que Benfica, FC Porto e Sporting fizeram, com as expectativas defraudas. A pobreza de futebol que jogaram não chega. É preciso mais, é preciso melhor; muito melhor! Porque, com executantes de nível superior, com erros dos adversários e com a sorte, qualquer dentista pode ganhar jogos e ser treinador de futebol; e o que espero é que os treinadores das equipas com maior responsabilidade em Portugal voltem a marcar a diferença entre os dentistas e os treinadores, não repetindo uma jornada com o grau de escuridão desta."
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