"Em 1957, o Benfica viaja pelo Brasil. No Maracanã, dois jogos com o Flamengo (agora tão na moda em Portugal por ter contratado um antigo treinador encarnado). Não foi o primeiro, no entanto. O primeiro foi Cândido de Oliveira.
O Flamengo tem, agora, um treinador português: Jorge Jesus, que passou seis pelo Benfica.
O Flamengo já tinha tido um treinador português: Cândido de Oliveira, uma dessas figuras que marcaram a história do Benfica. Foi em 1950. Durante pouco mais de dois meses.
Vamos, agora, a 1957. O Benfica estivera, de novo, à beira de conquistar a Europa, atingindo a final da Taça Latina, disputada e Madrid, perdendo para o Real Madrid, por 0-1.
Mas a águia não tem descanso.
Tem uma vontade indómita de se medir continuamente com os melhores dos melhores.
É tempo de defrontar clubes brasileiros. Esses brasileiros que estão à beirinha de deixar o mundo boquiaberto, no ano seguinte, no Mundial da Suécia.
'Ah! Ouve estas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ah! Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro...'
No dia 30 de Junho, uma semana após ter perdido a final da Taça Latina, recebe em Lisboa o Vasco da Gama. O Vasco da Gama que viera à Europa derrotar o Athletic de Bilbau (4-2) na decisão do Troféu Ramon Carranza e o Real Madrid (4-3) na primeira edição do Torneio Internacional de Paris. O Vasco da Gama de Orlando, Valter e Vavá venceu por 5-2. Natural. O Vasco era temível.
Passaram-se oito dias.
Uma grande delegação encarnada sobrevoava Copacabana e o Leblon e a Baía de Guanabara, apreciando a vista lá do alto bem mais do que o antropólogo Claude Lévi-Strauss que a terá detestado parecendo-lhe uma boca benguela. A famosa digressão encarnada de 1955 deixara raízes. E o Benfica desembarca no Inverno do Rio com três encontros aprazados contra velhos conhecidos, dois frente ao Flamengo e um frente ao América.
Otto Glória levou consigo 17 jogadores: Bastos e Costa Pereira; Calado, Serra, Ângelo, Artur Santos, Zézinho, Caiado, Alfredo e Pegado; Palmeiro, Coluna, Águas, Salvador, Cavém, Chipenda e Azevedo. Em Portugal chamaram-lhes 'Os bandeirantes da actividade desportiva', recordando o sucesso da digressão de 1955.
O Flamengo acabara de bater o Belenenses para o Torneio Internacional de Morumbi, torneio esse que se disputava no Rio e em São Paulo mas, curiosamente, com nenhum dos jogos a ser realizado no Morumbi que ainda não estava completamente construído. 3-1 fora o resultado do Maracanã. E também no Maracanã jogou o Benfica.
Durante longos períodos do jogo domina o seu adversário, respondendo ao golo de Duca, logo aos 30 segundos, com um golo de Águas, aos 42 minutos. No dia seguinte, os jornais brasileiros tecem rasgados elogios ao Benfica, mas recordando a cada linha que é um brasileiro, Otto Glória, que treina, os encarnados. No segundo jogo, os golos não aparecem. Serra foi expulso e Bastos, aos 48 minutos, defendeu um 'penalty' apontado por Moacyr. Pela primeira vez o Benfica não sai derrotado de confrontos com o Flamengo. O Flamengo é o seu 'fantasma vermelho e negro': nunca até hoje o Benfica bateu os brasileiros.
No dia 17 de Julho, de novo no Maracanã, o adversário é o América do Rio. Em disputa, a Taça Craveiro Lopes. As regras para a conquista do troféu são as seguintes: um jogo no Rio de Janeiro, outro em Lisboa e, finalmente, outro vez no Rio. Sairia vencedor quem atingisse primeiro os 5 pontos. Um empate (1-1) deu a cada clube um ponto no primeiro jogo. O segundo jogo disputou-se em Lisboa no dia 1 de Junho de 1959 e voltou a registar um empate (0-0).
Benfica e América nunca voltaram a encontrar-se no Brasil.
A digressão prossegue em São Paulo, ou melhor, em Santos, no Vila Belmiro, contra outras das 'bestas negras' do Benfica, o Santos, um dos adversários que nunca venceu ao longo da sua história. Pela primeira vez os encarnados estava cara a cara com aquele que se tornaria o mítico Santos de Pelé, único clube que pode pedir meças ao Benfica nas suas andanças pelo Mundo. O Santos era bi-campeão paulista mas ainda não era verdadeiramente o Santos, ou seja, o Santos que ficou escrito a letras mágicas na história do futebol. Mas tinha Manga, o guarda-redes que Eusébio e Simões destruíram em 1966. E tinha o grande Zito. E Dorval, e Jair, e Pagão, o herói do Chico Buarque, e Tita. E um menino de apenas 16 anos chamado Edson Arantes do Nascimento. Como dizia Nelson Rodrigues: Edson Arantes do Nascimento, por extenso Pelé.
Ah! Como as viagens do Benfica entusiasmavam aqueles que, por cá, dia a dia, se iam informando sobre o que se passava pelas páginas dos jornais.
'Oh, esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil pra mim...'"
Afonso de Melo, in O Benfica
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