"Dez golos são dez goles da poção mágica da motivação. Não há benfiquista que não se sinta dez centímetros mais alto depois disto. O título já não está no papo de ninguém. Vemo-nos daqui a três semanas?
Os jornais desportivos desunharam a cabeça para ter um título tão original quanto a raridade que noticiam: dez golos num jogo não é da escala da goleada, sequer da abada ou, vá, da cabazada, é um resultado que transcende o possível para o imaginário.
“A Bola” chama-lhe “a goleada do século”, enquanto o “Record” e “O Jogo” engarrafam as manchetes com metáforas de fenómenos naturais raros, “furacão” e sismo (“grau 10 na escala de Richter”). Aqui o árbitro é caseiro, mas é na Tribuna Expresso que melhor encherá a barriga, não só com os títulos mas com os textos: Pedro Candeias viu “os Super Wings no Estádio da Luz”, num resultado que só se vê “em jogos de crianças”; Vasco Mendonça, também conhecido como Um Azar do Kralj, nem queria ir por aí, “mas talvez agora seja um bom momento para falarmos do ordenado de Lage: (…) deem um aumento ao homem”.
Se há mudança de treinador que se confirma como “chicotada psicológica”, é esta: ou Bruno Lage nasceu com o rabo virado para a lua ou fez dos pés assentes na terra uma estrada que passa o olhar pelo céu. Não sabemos o que o treinador deu aos jogadores, mas o Benfica tomou uma qualquer vitamina que esgotaria farmácias se fosse vendida em frascos.
O jogo contra o Nacional é irrepetível, é como um cometa que passa pelo Planeta Terra de 55 em 55 anos, quando no espaço de 90 minutos uma equipa em estado de luz feérica se cruza com outra na mais pálida penumbra. O Nacional não deu uma para caixa mas merece respeito em vez de pena, pena é apenas uma confirmação com açúcar da humilhação. O resultado é humilhante, sim, mas é-o só o resultado, não o é a equipa. Na próxima semana há mais, Nacional.
Na próxima semana há mais, Benfica. A equipa está agora fornecido desse alimento tão volúvel chamado força anímica, palavra que aliás deriva de alma. A alma foi na verdade encontrada no jogo contra o Sporting, que anda com as pernas bambas e perdeu por um 2-4 que nem conta bem o que lá aconteceu: os mesmos jogadores da mesma equipa do mesmo clube que antes penava em campo para chegar ao fim dos jogos parece afinal outro e outra e outros. O Benfica é este ou é aquele? É os dois, dois em um.
Nesta constante, a variável foi Bruno Lage. Sejamos honestos, ninguém esperava isto e provavelmente ninguém esperava sequer que Bruno aquecesse a laje daquele banco. Ele ainda há de passar pelo choque de confrontar equipas em grande forma, e há de perder, num campeonato que já parecia estar no papo do FC Porto, que repentinamente patinou a toda a velocidade sobre o gelo – mas que é a equipa mais forte da época. Os 10-0 de ontem não são sequer uma cereja em cima do bolo, porque o bolo Benfica está outra vez a formar-se. Mas além de todas as análises técnicas ao jogo e de todas psicanálises existenciais ao balneário, Lage personifica o melhor que o Benfica tem tido nos últimos anos: a miudagem.
A caterva do Seixal resulta de um investimento sério do Benfica de Luís Filipe Vieira na formação, provavelmente realizado a pensar em dinheiro, pelos jogadores que poderia vender e para substituir os jogadores que não poderia comprar. O Benfica tem conseguido uma coisa e a outra. E ainda conseguiu Lage, formador da formação, que conhece, acredita e convoca os miúdos para a piscina dos grandes, onde estão a mergulhar de cabeça e sem medo.
Nenhum dos “três grandes” está a jogar espectacularmente, mas o Benfica ontem deu um espectáculo oferecido em bandeja de prata ao enorme Chalana. São só três pontos, para um campeonato em que só um vencerá e que é liderado pelo FC Porto. Mas esta luz que aquece o Benfica, e que projecta uma sombra temerosa sobre os seus adversários, é nova e reacendeu o interesse no campeonato.
Precisamos de um jogo para deslindar esta súbita lindeza: precisamos do FC Porto - Benfica. Falamos daqui a três semanas."
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