"O teu corpo e o teu drible foram - são - a conjugação entre o individualismo e o humanismo
Meu caro, tal como eu o teu primeiro nome é Fernando. Tal como eu nasceste na década de cinquenta do século passado. Tu bem no final dessa década em que nasceu, entre nós, a televisão. Eu nasci quase no meio e por isso sou um pouco, só um pouco, mais velho. Tal como eu também usei bigode que desapareceu quando desapareceu grande parte do cabelo e tornei-me, assim um dos carecas do Benfica! Tal como eu vibramos com o Benfica. Com o nosso querido Benfica. Eu dava uns toques na bola mas o Direito, e o seu difícil curso, triunfou. Tu foste um Génio da bola. Frequentámos os dois os mesmos Estádios. A velha Luz e este novo emblemático Estádio. Tu, desde jovem, frequentaste todos os dias a velha Luz. E acompanhaste o crescimento e o ímpar desenvolvimento da Academia do Seixal. Eu, desde que ingressei, chegado de Viseu, no Colégio Militar - em 1966! - frequentava o Estádio todos os quinze dias. Fardado a rigor, atravessava a nova - então nova! - segunda circular e entrava, cheio de fervor, ou para a superior ou para o emblemático terceiro anel! A cada jogo do Benfica do nosso Benfica, lá estava eu a vibrar, a gritar, sempre a sonhar, a abraçar os camaradas colegiais que me acompanhavam. E no intervalo lá apareciam as queijadas de Sintra ou nos dias de mais calor os gelados, porventura da Olá. E antes de regressarmos ao Colégio ainda comprava o Diário Popular e a sua edição especial de domingo com a pequena súmula dos jogos disputados. Sei bem com o russo Puchkine que «genialidade e maldade não combinam»! E tu és um exemplo desssa verdade. A tua maldade eram as desconcertantes fintas, o drible em movimento, o bigode que confundia a perturbava! Eu era, assim, meu Caro um dos muitos e largos milhares de fiéis benfiquistas que ou da velha superior ou do saudoso terceiro anel, ao sol ou à chuva, coloríamos as bancadas.
Guardo religiosamente uma das pequenas bandeiras que considerava talismã e que me acompanhou até ao derradeiro jogo na velha Luz. E como nos divertíamos a ver o nosso Benfica ganhar. A ganhar. E voltar a ganhar. Com grandes nomes como os saudosos Senhores Mário Coluna, Eusébio da Silva Ferreira, José Torres, Cavém, Jaime Graça, Manuel Bento, Artur e Vítor Baptista entre tantos outros. E, ainda, Toni e Simões, José Augusto e Humberto Coelho, Nené e José Henrique, Shéu e Diamantino, Vítor Martins e Jordão, Moinhos e Nelinho, Bastos Lopes e Alberto, Messias e Eurico, Alhinho e Pietra, Romeu e José Luís, Veloso e Alves, Carlos Manuel e Frederico, Álvaro e Filipovic, Manniche e Stromberg, Oliveira e José Manuel Delgado entre tantos e tantos outros. E desde o dia 7 de Março de 1976 - com 17 anos e vinte e seis dias - o seu talento desceu à Luz. O saudoso Senhor Mário Wilson, nosso querido treinador, tira o capitão Toni, nosso bom Amigo, e faz entrar o bem jovem Fernando Chalana. E assim começaram os trezentos e dez jogos em que envergaste o manto sagrado. E conquistaste pelo e com o Benfica seis campeonatos, três Taças de Portugal e duas Supertaças. E foste, também, campeão em França. E ajudaste, e muito, a nossa selecção nacional desde o dia 17 de Novembro de 1976, dia em que te estreaste frente à Dinamarca. Como, por exemplo, no relevante Europeu de 1984 em que oito dos seleccionados eram jogadores do Benfica. Sim, tu Fernando Chalana, entusiasmavas e embalavas de fervor o terceiro anel. E motivavas em outros estádios de Alvalade às Antas, do Bonfim à Póvoa de Varzim, de Coimbra a Espinho, do Fontelo (aquela vitória por 6-2 em 7 de Março de 1979 nunca esqueci!) ao Mário Duarte, entre tantos e tantos outros emblemáticos estádios. O que sei, o que nunca esqueço, o que mostro aos meus, é que a bola chegava e colava nos teus pés, por excelência nesse fabuloso pé esquerdo. E bem colada partia para cima do(s) adversário(s). Ela, a bola, como um íman colado, acompanhava o teu corpo e numa conjugação perfeita perturbava e confundia o adversário já que cada finta de corpo era, de verdade, um momento de magia e de integridade entre o físico e o espírito. Há jogadas tuas em que sentas o teu directo opositor e ele, furioso e curioso, fica a deleitar-se com o momento seguinte em que, tu meu caro Chalana, repetes aquele instante perante um colega de equipa. Uma e outra vez. Jogo e outro jogo. E nós, ali bem perto, nas primeiras filas da bancada, não resistíamos e gritávamos de contagiante alegria. O futebol é isto, mesmo que alguns julguem que a tecnocracia o pode dominar. Estou certo que, nesta tarde, num Estádio da Luz cheio, e com benfiquistas de todo o mundo - é o jogo das Casas! - todos te cantaremos os parabéns. E estou convicto que a equipa - toda a equipa e com muitos que tu treinaste e viste evoluir! - te dedicará a vitória. Num jogo que será bem difícil, acredito. E estou certo que a Direcção, e em particular o Presidente Luís Filipe Vieira, não deixará de sinalizar - como, aliás, têm feito e é justo reconhecer e enaltecer - este dia em que comemoras sessenta anos, a maior parte deles dedicados ao Benfica. E de Rui Costa e Bernardo Silva, de Jonas a David Luiz, de Di Maria a Gaitán, de Saviola a Simão, de Petit a Calado, de Luisão a Aimar, de Cardoso a Valdo, entre tantos outros, directa e indirectamente, te saudarão. É que tu, meu Caro, proporcionaste-nos sublimes momentos de dança, instantes de combinação perfeita entre a vida e o espírito. Eram - foram! - múltiplos momentos de perfeitos movimentos e com um profundo sentimento. O teu corpo e o teu drible foram - são! - a conjugação entre o individualismo e o humanismo. E este humanismo realizava-se no colectivo, na equipa, na comum alegria do golo concretizado e da vitória alcançada. Logo, depois de todos cantarmos os parabéns, a equipa, hoje decerto sob a liderança de André Almeida, tudo fará para ultrapassar o difícil Nacional e no final, no final mesmo, te dedicarão, num dez intenso e imenso, e com repetidos aplausos e certa emoção, a conquista dos três pontos, bem relevantes para a legítima e ambicionada reconquista. E bem recordas que na época 76/77 o nosso Benfica à quinta jornada estava no 13.º lugar (eram 16 equipas) e depois de 22 vitórias e três empates (um deles face ao Beira Mar de Eusébio!) conquistámos o campeonato com nove pontos de vantagem sobre o Sporting e dez sobre o Futebol Clube do Porto. E tu, entre outros, marcaste dez golos, o Shéu cinco, o Pietra quatro, o Nelinho nove e o Nené 22! Por isso te agradeço a generosidade a disponibilidade, a gentileza e a humildade, a dedicação e a entrega, o sorriso e a honestidade e te digo que, tal como disse um grande escritor, «a genialidade é a capacidade de realizar aquilo que existe no pensamento»!
Muitos Parabéns Fernando Chalana!
PS - O Doutor Dias Ferreira escreveu ontem um sugestivo e lindo artigo acerca de Fernando Chalana. Ele sabe combinar, como poucos, o eu e o eu. Isto é a essência do desportivismo!"
Fernando Seara, in A Bola
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