"Há 52 anos, no brumoso Verão de Inglaterra, um futebolista português brilhava a grande altura. Chamavam-lhe ‘pantera negra’, nome que hoje seria impossível pela conotação racista. Mas ninguém pensava nisso. O politicamente correto ainda não se impusera. O facto de ser negro não aumentava nem diminuía a devoção que os adeptos tinham por ele. Chamava-se Eusébio da Silva Ferreira mas chamavam-lhe simplesmente Eusébio.
Se fosse hoje, um jogador daquele enorme nível seria imediatamente transferido para um tubarão do futebol mundial por uma gigantesca fortuna. Mas Eusébio ficou em Portugal, no Benfica, diz-se que por intervenção de Salazar. Há quem o desminta, mas uma coisa é certa: Eusébio teria na altura lugar em qualquer equipa do mundo.
A globalização do futebol tornou impossível a ocorrência de casos semelhantes nos tempos actuais. Quer em relação aos jogadores, quer, mesmo, em relação aos treinadores. Há centenas de treinadores portugueses espalhados pelo mundo, obtendo óptimos resultados.
Mas esta globalização não funciona apenas de dentro para fora - funciona também de fora para dentro, não só na importação de jogadores (e alguns treinadores, poucos) mas na reacção dos adeptos. Os ídolos das crianças já não são apenas, nem sobretudo, jogadores do campeonato português - são jogadores do Real Madrid, do Manchester United, do Bayern de Munique…
Os meus netos ainda falam em Jonas ou Bas Dost, mas sobretudo querem imitar Mbappé, Neymar ou Messi. E Ronaldo, claro, mas este deixou de ser exclusivamente português para ser património mundial.
Esta globalização do futebol, para a qual as televisões contribuem poderosamente, terá cada vez maiores consequências. Tão facilmente se vê hoje no ecrã um jogo do campeonato português como do campeonato espanhol ou do inglês. E como estes são melhores - porque envolvem melhores jogadores e os jogos são mais electrizantes - a pouco e pouco impor-se-ão.
O campeonato português irá deixando de entusiasmar as crianças, terá cada vez menos adeptos e provocará menos entusiasmo. Julgo que nunca acabará. Mas será mais pobre de ano para ano. Os melhores jogadores portugueses não jogarão cá mas no estrangeiro - como, aliás, já hoje acontece. Os melhores treinadores portugueses não treinarão cá mas no estrangeiro - como também já acontece. E esta tendência é inexorável.
Os grande clubes da Europa serão cada vez maiores, terão mais adeptos em todo o mundo e maiores receitas - e só os clubes portugueses que participarem em provas europeias (como Porto, Benfica, Sporting e talvez Braga) terão algum protagonismo. Os outros viverão com enormes dificuldades e alguns tenderão a acabar.
Como noutras áreas, também no futebol a globalização funciona como um rolo compressor que tudo uniformiza e em que só os mais fortes sobrevivem."
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