Antes de tudo, vamos às apresentações.
Nada de muitos formalismos. Sigamos directo ao assunto:
Ora viva, caro leitor, as linhas que vai passar a ler neste espaço a cada duas semanas destinam-se a mostrar-lhe como o futebol e a cultura podem jogar no mesmo campo.
Livros, música, filmes – ficções ou documentários – séries… A cada 15 dias apresentamos-lhe sugestões para ler, ouvir e ver. Arte e cultura com uma bola lá no meio a rolar.
Haverá novidades sobre o que de mais estimulante pode conhecer acerca do futebol e do desporto como fenómeno cultural, social ou até político, mas também referências a alguns clássicos, que poderá redescobrir à boleia da actualidade.
Plateia: esta rubrica designa-se assim por ser o lugar privilegiado do público seja num estádio, numa sala de espectáculos, num cinema ou no sofá de casa.
Nesta edição número 1, começamos pela Noruega, seguimos por França e terminamos no porto seguro que é o Brasil de Nelson Rodrigues, cujas crónicas sobre futebol passaram recentemente a estar ao alcance do público português.
A viagem começa aqui. Pode, portanto, recostar-se e deixar-se levar.
Para ver: «Heimebane»
Autor: Johan Fasting
Género: série televisiva de ficção
País: Noruega
Duração: 50 minutos (x 10 episódios)
Bastaria o genérico com as imagens idílicas de Ulsteinvik e o tema instrumental de abertura para agarrar o telespectador. Porém, Heimebane vale por cada um dos 10 episódios.
A série do canal norueguês NRK1, que por estes dias foi exibida pela RTP 2 (com a designação em português «Jogar em Casa»), conta como Helena Mikkelsen, superiormente interpretada por Ane Dahl Torp, se torna na primeira mulher a treinar uma equipa masculina na primeira divisão da Noruega: o ficcionado Varg IL.
Em busca de afirmação, Helena encara sucessivos desafios: desde um balneário céptico, à resistência dos adeptos e à clara oposição do patrocinador e principal financiador do clube.
Tudo começa quando o recém-promovido Varg perde o treinador em cima do arranque da temporada e Helena ganha a vaga a Michael Ellingsen, veterano e estrela decadente da equipa, que inicialmente parecia destinado ao lugar.
Aqui que surge outro dos pontos de interesse de «Jogar em Casa»: Michael Ellingsen é John Carew!
O ponta de lança internacional norueguês (94 jogos e 24 golos pela selecção principal) é agora actor e um dos protagonistas da série.
Depois de jogar em Inglaterra (Aston Villa, Stoke e West Ham), França (Lyon) e Espanha (Valência), Carew abraçou a sétima arte e nesta sua incursão no pequeno ecrã não se sai nada mal no papel de uma personagem que tem muito que ver com o seu percurso enquanto futebolista.
«Heimbane», criada por Johan Fasting, acaba de passar na RTP 2. A série, que estreou em março na Noruega, foi um sucesso tal que a segunda temporada já está em pré-produção.
Para ouvir: «Ramenez la coupe a la maison»
Intérprete: Vegedream
Género: Hip-hop
País: França
Duração: 4:17 minutos
Tendo de escolher um ritmo para embalar a conquista do Campeonato do Mundo pela França, a nossa opção recairia sobre a singela e quase espontânea homenagem a N’Golo Kanté.
O tema de «Les Champs Élysées», de Joe Dassin, serviu de mote a uma adaptação em modo paródia, conquistando adeptos e os próprios jogadores.
No entanto, há um tema original sobre a conquista dos «Bleus» que está a fazer furor no panorama musical gaulês.
«Ramenez La Coupe a La Maison» – «Tragam a taça para casa», em português – foi lançado no youtube três dias depois de a França ter vencido a Croácia na final do Mundial, em Moscovo, e desde então o videoclip já ultrapassou os 50 milhões de visualizações.
O tema interpretado por Vegedream, rapper de origem costa-marfinense, é, tal como a própria selecção, uma espécie de homenagem à França multicultural.
Além disso, tem a enorme vantagem de desfilar os nomes de todos os jogadores campeões do mundo pela França… E a verdade é que os próprios jogadores da selecção já o adoptaram, como é possível ver no recente jogo da selecção francesa frente à Holanda, a 9 de Setembro: em pleno Stade de France, Vegedream e os jogadores dos «Bleus» fizeram a festa ao som de «Ramenez La Coupe a La Maison».
Para ler: «Brasil em campo»
Autor: Nelson Rodrigues
Editora: Tinta da China
Género: Crónica
País: Brasil
Páginas: 200
Esta última escolha é de um «óbvio ululante»: Nelson Rodrigues é «o» cronista. Pela sua pena, cada jogo era um acontecimento literário.
Esta última escolha é de um «óbvio ululante»: Nelson Rodrigues é «o» cronista. Pela sua pena, cada jogo era um acontecimento literário.
A sugestão é tanto mais obrigatória desde que, para nosso contentamento, em Julho último a editora Tinta da China publicou pela primeira vez em Portugal uma compilação das crónicas do escritor, jornalista e dramaturgo.
Sonia Rodrigues, filha e biógrafa, faz em «Brasil em Campo» uma selecção de mais de 70 crónicas publicadas ao longo de cerca de 20 anos – entre meados das décadas de 1950 e 1970 – no Jornal dos Sports, em O Globo e em Manchete Esportiva ou então retiradas de colectâneas, apenas publicadas do outro lado do Atlântico, como «À Sombra das Chuteiras Imortais».
No prefácio, o cronista Marcos Caetano dá o mote para as páginas que se seguem com reflexões sobre os anos dourados do futebol brasileiro de Pelé e Garrincha:
«Muito já foi dito sobre o virtuosismo das crónicas do Nelson, embora alguns dos seus biógrafos insistam na tese de que ele não entendia nada de futebol, o que é uma enorme injustiça. Para mim, Nelson não era um cronista que pouco entendia de futebol. Ele era justamente o que mais entendia. […] Gostar de futebol apenas como jogo é tão limitante como gostar de música pelo ruído ou de pintura por conta das cores. Imaginar que o futebol se resume à táctica é como crer que o melhor psicólogo é aquele que mais conhece a fisiologia do cérebro. Nelson era sem dúvida um psicólogo que entendia bastante sobre o funcionamento do cérebro. Mas, acima de tudo, ele era capaz de vasculhar as mais profundas entranhas da personalidade e os mais recônditos escaninhos da alma. E é por isso que ninguém jamais entendeu tanto de futebol quanto ele.»
Genial como ele só, Nelson Rodrigues já havia resumido tudo numa só frase: «Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.»
A obra de 200 páginas custa 17,90 euros e está à venda nas livrarias de todo o país."
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