"A participação da Selecção no Mundial criou um paradoxo: a convicção, mais ou menos generalizada, de que Portugal ainda estaria em prova se tivesse continuado a jogar de forma sofrível, ou nem isso, em vez de ter tido uma performance bem mais conseguida frente ao Uruguai.
Trata-se, obviamente, de uma tolice, como tantas outras que, por vezes, se eternizam no circo futebolístico. E a melhor forma de contrariar a blasfémia é contrapor que Portugal estaria, isso sim, presumivelmente a preparar-se agora para disputar os quartos-de-final se tivesse sido capaz de mostrar todo o seu reportório logo nos três jogos da fase de grupos. Dessa forma, teria muito provavelmente evitado o empate com o Irão e a vitória magra e sofrida frente a Marrocos, cenário que nos teria garantido o primeiro lugar no grupo, evitado o confronto com a diabólica dupla de ataque do Uruguai e estacionar na ramada ‘boa’ da árvore do Mundial. Ou seja: é sempre possível perder quando se joga razoavelmente bem e claramente mais do que o adversário, mas o inverso é sempre mais comprometedor e muito mais perigoso.
Claro que a irracionalidade de querer jogar mal para conseguir a vitória caída do céu resulta, em muito, da forma pouco estética como foi garantido, há dois anos em França, o maior feito da história do futebol português. Mas convém não baralhar as coisas. Porque uma coisa é assentar o jogo numa organização defensiva sacrossanta (que hoje já não é possível da mesma forma, porque José Fonte e Bruno Alves já não dão as mesmas garantias e porque Danilo se lesionou) e na exploração inteligente do contragolpe (atributos que nos permitiram mascarar insuficiências próprias), e outra, bem diferente, é perder totalmente o controlo dos acontecimentos (como aconteceu em diversos momentos frente à Espanha e a Marrocos) e não ser capaz de optimizar recursos que não se tinham ainda revelado ou afirmado há dois anos.
Como é habitual, Fernando Santos foi transparente e autêntico quando reconheceu que Portugal se limitou a cumprir o objectivo mínimo. Uma espécie de suficiente menos que não satisfaz plenamente. Mas não nos pode fazer esquecer que, sob o seu comando, Portugal sofreu apenas duas derrotas em 34 jogos oficiais e não perdia há quase 22 meses, tendo somado 17 jogos consecutivos em fases finais (contando com a Taça das Confederações) sem conhecer a derrota. Ou seja, mais do que martirizar um seleccionador que é indubitavelmente competente e experimentado, importa fazer o diagnóstico correto e traçar os planos para melhor atacar a Liga das Nações, que começa já em Setembro e onde teremos de nos bater com a Polónia e a Itália. Nessa altura, Bruno Fernandes e Gelson, por exemplo, já deverão ter normalizado a sua relação patronal. E cito estes dois jogadores porque ficou evidente que ambos acusaram a realidade que lhes foi criada pelos desatinos de Bruno de Carvalho e pelo inenarrável episódio em Alcochete. E essa circunstância ajuda a perceber por que razão Fernando Santos priorizou as escolhas que já vinham do Europeu, quando os desempenhos durante a época recomendavam algumas opções diferentes.
Mesmo assim, ficou por perceber por que motivo conseguiu João Mário manter o estatuto até ao fim, o que deve ter contribuído para que Manuel Fernandes tivesse entrado com vontade de usar a Telstar 18 como armamento antiaéreo, descomedimento compreensível a quem só foram oferecidos cinco minutos em campo. Neste âmbito, acaba por ser mais entendível o adiamento da aposta em Rúben Dias, cuja lesão na parte final da época atrasou a sua afirmação na Selecção. Mas se houve algo que este Mundial mostrou, foi que Portugal continua muito condicionado por Ronaldo, para o bem e para o mal. Ninguém de bom senso pode abdicar do melhor jogador do Mundo, mas, por outro lado, convém ter noção de que ele é um avançado com características muito próprias: precisa de uma equipa que o liberte do trabalho defensivo e que potencie as dinâmicas de quem, mais do que estar na área, gosta de aparecer lá – e, para isso, precisa de uma ‘muleta’ que o ajude a criar os espaços necessários.
Ora, esta realidade choca com o surgimento de novos valores de muita qualidade que permitiriam jogar de forma mais combinativa e com outra segurança no controlo da bola e do jogo. A segunda parte frente ao Uruguai, com Bernardo nas costas de CR7 e os laterais projectados, provou que o futuro não está numa equipa de tracção atrás (mas a boa organização defensiva vai ser sempre imperiosa), mesmo que para isso seja necessário trabalhar novas soluções (e convencer Ronaldo da bondade delas). O modelo e a ideia de jogo não podem ser coisas improgressivas, até porque, no futebol, tudo o que repousa demasiado no tempo acaba por murchar. É sempre necessário procurar novos caminhos e evitar que a equipa perca decibéis…
Pepe e Patrício à frente de todos
Pepe e Patrício foram dois dos seis totalistas (os restantes foram Fonte, William, Raphaël Guerreiro Ronaldo) e foram claramente quem mais justificou o estatuto. Não ficaram isentos de erros, mas somaram um conjunto de exibições globalmente positivas. Cristiano Ronaldo arrancou a todo o gás, mas frente ao Uruguai insistiu em entrar (e rematar) por onde não podia nem devia.
A lâmpada de Bernardo
Bernardo Silva chegou a ser atacado injustamente por quem não percebe que o seu jogo precisa de sócios próximos. Mas iluminou o jogo de Portugal frente ao Uruguai, principalmente no segundo tempo, quando jogou sempre por dentro. As suas tomadas de decisão são um compêndio de bem jogar, como que a provar que a intensidade pode ser técnica e táctica, mais do que física. A Selecção vai continuar a ter CR7 como porta-bandeira, mas terá de crescer cada vez mais em torno do pequeno génio. Temos de confiar na sua lâmpada.
Útil como um guarda-sol
Num Mundial em que André Silva acusou a falta de confiança, Gonçalo Guedes não confirmou a magnífica segunda volta em Valência. Acabou por ser tão útil como um guarda-sol num furacão. Esteve sempre demasiado sôfrego. Uma enorme desilusão. Com sublinhado a vermelho estão também João Mário, na linha da época sofrível que teve, e Raphaël Guerreiro, como se ambos fossem cópias baças dos jogadores que brilharam no Euro.
Entradas e saídas
José Fonte foi titular, mas, tal como Bruno Alves, parece no fim da linha, o que faz retornar a discussão da falta de alternativas credíveis para fazer dupla com Pepe. Falta também, claro, um ponta-de-lança de craveira. Mas não se justifica uma revolução. Rúben Neves e Ronny Lopes estão prontos, Nélson Semedo e Cancelo também e talvez Rafael Leão, daqui a uns tempos, possa vir a ser o avançado que nos tem faltado."
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