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sexta-feira, 20 de julho de 2018

Antes dos camelos e dromedários

"Vai custar, mas só daqui a quatro anos é que viveremos as sensações de um Campeonato do Mundo. Digo que vai custar porque este que acabou no domingo foi suficientemente bom para querer ver logo outro de rajada.
A próxima edição do torneio será, como sabem, em 2022, no Qatar. Antevendo a coisa em poucas palavras, significa que teremos um torneio banhado pelo Golfo Pérsico, com uma panorâmica pitoresca de camelos e dromedários. E não esqueçamos os estádios grotescamente climatizados para subtrair o peso do calor.
Lá chegaremos aos cavalos do deserto. Para já, façamos um tributo ao Rússia 2018, que foi uma prova bem divertida e que não se cinge ao momento - inacreditavelmente escavacado pelo realizador da transmissão da final - em que Hugo Lloris ergueu o troféu no relvado do Luzhniki.
Análise tácticas mais minuciosas podem ficar para outra oportunidade. Mas creio ter sido flagrante a importância do plano específico para um determinado jogo, em que se entenda que vantagem a equipa A pode adquirir com o recurso a uma nuance, de acordo com os traços da equipa B, que tem pela frente.
Roberto Martínez, coadjuvado por Graeme Jones e Thierry Henry, foi dos mais astutos nesse parâmetro, com destaque no jogo dos quartos-de-final, em Kazan, contra o Brasil. Desmantelou o 3421, tirou Carrasco e Mertens que estavam a destoar, introduziu um terceiro médio e misturou Hazard, Lukaku e De Bruyne na frente. Perfeito! O problema é que os Diabos Vermelhos, sem Meunier para as “meias”, perderam o tridente para ferir a França. A estruturação do alinhamento contra os gauleses foi fraca. A equipa deixou de ter cola e rapidamente a Bélgica percebeu que não ia ser capaz de encadear ataques, especialmente contra uma equipa tão estabilizada como a de Deschamps.
Giroud não marcou golos no Mundial? Que importa isso, avaliando tudo o resto que ele acrescentou, designadamente como colaborou na primeira linha de cobertura e na maneira como viabilizou situações de golo para os outros colegas? Comparem por exemplo, a produção de Griezmann na primeira volta no Atlético de Madrid, quando fazia sociedade com Correa, com a segunda volta, entretanto com Diego Costa a fazer dupla com ele. Giroud teve um papel semelhante ao da fera de Lagarto, capitalizando a mobilidade de Griezmann nas zonas mais recuadas para a ligação. Giroud é o melhor para melhorar Griezmann. E melhorando Griezmann fica-se mais perto de ser a melhor equipa. Já agora, há 20 anos, quantos não implicavam com Guivarc’h, o ponta de lança do Auxerre?…
Lloris foi o capitão silencioso que a França precisava. Fraquejou no golo de Mandzukic, mas, fora isso, esteve firme em toda a competição. Fez defesas espetaculares contra Austrália, Uruguai e Bélgica, embora aquela que mais arrepios provocou tenha sido a do inglês Pickford. Como é que o 'keeper Wearsider' alcançou aquela bala de Uribe?!
Eden Hazard foi o mais espectacular nos dribles, vulgarizando Paulinho, Fágner, Fernandinho e toda a Canarinha. Fora de série! Já vi De Bruyne jogar mais, embora também se compreenda que no formato inicial de 3421, em que ele participou contra Panamá, Tunísia e Japão, estava amarrado a Witsel no eixo do meio-campo. Contra o Brasil já actuou mais adiantado, com muito mais liberdade. E aí já foi outra loiça.
Não desgostei da Inglaterra, mas tenho pena que Wilshere e Lallana não tivessem ido no avião para a Rússia. Senti que Southgate não dispôs de gente mais esclarecida para lidar com o aperto croata. Torreira deu mais pedalada ao Uruguai de Tabárez, entretanto desenhado com losango a partir do jogo com a Rússia, guardando melhor as costas a Bentancur. Cavani esteve fenomenal e Fernando Santos sentiu-o de perto. A Rússia saiu-se melhor do que eu esperava e ainda eliminou a Espanha, por muito apática que a ‘Roja’ tenha parecido. Hierro também não teve o golpe de asa numa conjuntura indefinida após o episódio de Lopetegui, antes do jogo com Portugal. Ainda na Sbornaya, Golovin manteve a classe e o dinamismo do costume, enquanto Cheryshev rebentou a escala com uma entrada explosiva desde que Dzagoev se lesionou contra a Arábia Saudita.
Marrocos jogou barbaridades e foi das equipas que mais saudades deixou. Vou lembrar-me de Ziyech, Harit, Boussoufa e da intensidade impressionante da pressão e dos ataques magrebinos, mais do que algumas equipas que passaram às eliminatórias. Raciocínio idêntico pode ser feito relativamente ao Peru. Gostei particularmente de Carrillo, impecável jogando pelo flanco direito nos três jogos. 
Modric foi o maior do torneio, embora Mbappé tenha sido o mais explosivo, Kanté o mais frenético na busca e no transporte da bola, Griezmann o que melhor conectou jogo na zona ofensiva e Coutinho o que mais falta fez para nos animar nos dias finais do Mundial. Até ser afastado da prova, o carioca esteve num nível criativo formidável e foi o mais arrebatador jogador do Brasil. Mas ninguém esteva acima de Modric. O golo portentoso que marcou à Argentina estabeleceu o início de uma história fabulosa e não houve parâmetro onde o centrocampista do Real Madrid não tivesse correspondido com um comportamento excepcional. O maior!
Os alemães conseguiram o golpe certeiro de Kroos contra a Suécia que os fez acreditar no apuramento para os “oitavos”, mas caíram frente à República da Coreia e foram mais cedo para casa. Uma desilusão, mas que encontra resposta, entre vários aspectos, na má gestão do dossier Neuer/Ter Stegen.
A Argentina foi uma confusão permanente e Sampaoli não se safou. Mudanças, mudanças e mais mudanças. Adorei o golo de Messi contra a Nigéria, bem lançado por Banega, mas a falta de coesão daquela equipa foi assustadora.
A França corrigiu aquilo que tinha de corrigir depois da estreia contra a Austrália. Contra o Peru, já com Matuidi e Giroud no onze, foi diferente, para muito melhor. A assimetria do desenho, visível no desalinhamento entre Matuidi e Mbappé nos respectivos flancos, foi um dos indicadores do grande equilíbrio de forças da França, percebendo-se que todos os titulares estavam optimizados ao mesmo tempo que o conjunto ficou fortalecido e cooperante. E vimos como Giroud segurava e tabelava, com Griezmann a ligar jogo por onde quisesse. Hernández e Pavard não fizeram a qualificação, mas seguraram muito bem, talvez de uma forma que Mendy e Sidibé não teriam conseguido para libertar as roturas de quem jogasse à sua frente. Ganhou a melhor de todas as Selecções.
Onze ideal: Lloris; Vrsaljko, Varane, Godín, Hernández; Modric, Kanté, Coutinho; Griezmann; Lukaku, Hazard."

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