"Na Rússia, ele é o maior nome do futebol. Um guarda-redes: Lev Yashin. De tal forma inesquecível, que os próprios posters de divulgação deste Mundial têm a sua efígie. Tantos e tantos anos depois.
Na Rússia, onde estou, é Lev Yashin que faz o lugar de Eusébio. Um guarda-redes. Pois é. Estranho, de alguma forma, tentados que somos sempre a valorizar mais os que marcam golos do que os que os defendem.
Há duas estátuas de Yashin: uma no parque onde se situa o Estádio Luzhniki, o maior da cidade, que irá receber a final deste Mundial; e a que se situa junto ao estádio da sua equipa de sempre, o Dínamo de Moscovo.
Os próprios posters de divulgação do Mundial não fogem à imagem daquele que ficou conhecido pela Aranha Negra. Jogava equipado totalmente de preto, tinha uns braços enormes e umas mãos que pareciam guardanapos. Viera de uma família de operários, o pai era mecânico. Lev não foi bem aceite no início da sua tentativa de se impor no Dínamo. Deixou o futebol por uns tempos e dedicou-se ao hóquei sobre o gelo. Ganhou títulos, mas as balizas continuavam a chamá-lo com aquele irresistível canto melodioso das sereias.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu sobre ele: 'Yashin tapava toda a baliza e não deixava nem uma frincha. Gigante, com braços de aranha, sempre vestido de negro, tinha um estilo solto, uma elegância nua que desprezava gestos supérfluos'.
Falei muitas vezes obre Yashin com Eusébio.
Tenho saudades de falar com Eusébio sobre tantas coisas. Era de uma intuição única para tudo o que se tratasse de futebol.
A imagem do Pantera Negra fazendo uma festa na Aranha Negra depois de lhe marcar o penálti no Mundial de 1966 correu o mundo. Foi um exemplo formidável do desportivismo, companheirismo, respeito entre duas lendas inesquecíveis.
O jogo de 1966
Dia 28 de Julho de 1966: Wembley.
O cansaço e o desânimo tinham tomado definitivamente conta das cabeças e das pernas lusitanas. Um penálti convertido por Eusébio, vencendo a sua pequena guerra pessoal com Yashin, dera vantagem à selecção nacional logo aos 12 minutos. Mas a URSS empatou por Malofeev, à beira do intervalo, em mais um lance em que José Pereira não conseguiu segurar a bola. Todo o segundo tempo parecia, então, conduzir a um prolongamento que rimava com sofrimento. Só que, de súbito, como um raio de sol na água fria, o talento português soltou-se no relvado de Wembley para felicidade do público. A bola vai de Hilário para Torres e deste para José Augusto; José Augusto domina-a por momentos, parecia reticente em ver-se livre dela, mas depois fê-la descrever um arco elegante milimétrico, caindo vagarosamente na frente do mesmo Torres; o Bom Gigante ofereceu-lhe o peito do pé, o remate saiu da primeira, potente, colocado, indefensável para o maior guarda-redes de todos os tempos, o fantástico Yashin.
Yashin já estivera presente nos Mundiais de 1958 e 1962. Fora campeão europeu com a URSS em 1960.
Cinco anos mais tarde, faria a sua festa de despedida, em Moscovo, num estádio repleto com 120 mil pessoas que viram o Dínamo de Moscovo jogar contra uma equipa da FIFA.
Estavam lá todos os grandes nomes do seu tempo.
Faltaram dois: Pelé e Eusébio.
E Eusébio bem guardou a mágoa de não ter participado no adeus de Yashin.
Depois, fumador inveterado, o Aranha Negra caminhou altivo para a morte: problemas de coração, de pulmões, uma tromboflebite que obrigou à amputação de uma perna. Cancro.
Antes dos jogos, tinha um hábito que ele próprio definia desta forma desassombrada: 'Fumo um cigarro para acalmar os nervos e bebo um copinho de licor para tonificar os músculos'.
Quando Yuri Gagarin se tornou no primeiro homem a viajar pelo espaço, suspirou: 'Deve ser uma sensação única. Assim como defender um penálti'.
Diz a lenda que defender mais de 100 penáltis na carreira.
Sabia do que estava a falar..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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